domingo, 5 de junho de 2016

O despertar feminista na China

Título original: China's Feminist Awakening
Publicado em 13/05/2015
Disponível em: 
Autora: Xiao Meili
Tradução: Laryssa Azevedo

BEIJING - Eu não pensei muito quando a polícia levou cinco de minhas amigas e companheiras ativistas feministas no início de Março por planejar um protesto contra o assédio sexual no transporte público em Beijing. Detenções similares aconteceram com todas nós antes e nós sempre somos liberadas após algumas horas de interrogatório. Mas quando minhas amigas não voltaram para casa naquela tarde, eu percebi que daquela vez era diferente. Levando em consideração que eu planejei e participei de muitas atividades com elas, me preocupei com a possibilidade de ser eu o próximo alvo, forçada a fornecer "evidências" contra minhas amigas. Então, fugi de Beijing e comecei a me esconder.   

As prisões causaram protestos e petições online em todo o país, vindos de jovens, especialmente estudantes universitários. Nós não esperávamos que a comunidade internacional também reagisse tão fortemente: Organizações de direitos humanos e líderes ocidentais como Hillary Clinton manifestaram seu repúdio. A pressão doméstica e internacional levou à libertação de minhas amigas após um mês de prisão. Isso, é claro, não evitou que a polícia também falhasse em reunir concretas evidências criminais contra elas. 
Eu retornei a Beijing, mas esse incidente me levou a examinar meu próprio ativismo e questionar se fiz a escolhas certas. Enquanto eu crescia, nos anos 90, na província de Sichuan, comecei a achar muitas tradições culturais confusas. Em casa, eu me referia aos pais de minha mãe como “waipo” e “waigong” ou “vovó do outro lado” e “vovô do outro lado” porque me foi dito que a família do meu pai importava mais. Na escola, meus professores tinham expectativas acadêmicas em mais altas em relação aos meninos do que em relação às meninas por acreditarem que os garotos eram mais inteligentes que as garotas. 
Enquanto me inscrevia para a faculdade, muitas universidades excluíam meninas abertamente de cursos como engenharia e exploração geológica e reduziam os padrões de admissão para meninos que escolhiam estudar línguas estrangeiras e jornalismo, que historicamente atraem meninas. Eu via constantemente anúncios de emprego que ou excluíam mulheres ou especificavam que as candidatas mulheres deveriam ser altas e atraentes. 
Muitos estavam conformados com discriminação enraizada, mas eu não. Em meu segundo ano de faculdade, eu me interessei em feminismo e comecei a ler “O segundo sexo” de Simone de Beauvoir e outras famosas obras feministas. Eu gostava de assistir filmes estrangeiros que retratavam mulheres defendendo a justiça social e a igualdade de gênero. Como uma pessoa míope com óculos novos, comecei a ver claramente, e muitas das coisas que eram confusas durante meu crescimento foram explicadas pelo feminismo. 
No outono de 2011, conheci Li Tingting, uma das ativistas presas. Li, que havia defendido questões femininas por alguns anos, me apresentou a um círculo de mulheres de opiniões semelhantes e ao mundo novo do ativismo. 
Minhas amigas, cuja maioria nasceu nos anos 80 e 90, e eu tivemos uma boa educação e pudemos facilmente conseguir empregos “legais” e “estáveis”. Nossos pais sempre nos estimularam a viver vidas normais e não meter nossos narizes onde não devíamos. Mas ao invés de seguir em lucrativas posições corporativas, casar e ter filhos, nós escolhemos nos tornar defensoras dos direitos das mulheres em tempo integral.
Hoje em dia, na China, mulheres enfrentam forte discriminação no trabalho; muitas companhias até mesmo se recusam a contratar mulheres. Assédio sexual é lugar comum. Violência doméstica é universalizada. De acordo com um estudo de 2013 conduzido pela ONU, mais de 50% dos homens chineses já abusaram física ou sexualmente de suas parceiras. 
Alguns amigos nos aconselharam a avançar com a causa “discretamente” influenciando o governo ou pressionando por mudanças no sistema ao nos tornarmos funcionárias do governo. Mas em um país onde o governo ainda exerce firme controle sobre ideologia, aqueles que estão dentro do sistema raramente encontram coragem para se manifestar. 
Muitas mulheres antes de nós tomaram o caminho da acomodação, mas muito pouco mudou. É necessária uma forte pressão popular. Nós não podemos lutar caladas.
Já que protestos públicos e manifestações são proibidos, nós contamos com uma única plataforma — arte performática — para desafiar as condições sociais. Nós levamos nossa mensagem para as ruas e estações de metrô e lutamos por um espaço público seguro para mulheres.
O primeiro projeto performático do qual eu participei tinha como alvo a violência doméstica. Usando vestidos de noiva salpicados com sangue falso, nós marchamos em uma rua comercial lotada de Beijing, carregando placas onde se lia “Amor não é desculpa para violência” e incitamos os residentes a ser vigilantes contra violência doméstica. Através da campanha “Ocupe o banheiro masculino”, chamamos a atenção para um assunto mais comum: a proporção injusta entre banheiros masculinos e femininos em locais públicos. Em outro ato, raspamos nossas cabeças para protestar contra discriminação em admissões em universidades.
E ano passado, eu viajei mais de 1200 milhas, cruzando 55 cidades para conscientizar sobre as altas taxas de abuso sexual infantil em escolas chinesas. O governo, ao invés de consertar o sistema e punir os criminosos, simplesmente culpa as vítimas.
Nossa presença nas ruas e na mídia parece ser influência na tomada de decisões. Nos últimos anos, várias universidades aboliram o sistema de admissão discriminatório. É dito que Beijing está construindo novos banheiros para mulheres, e algumas universidades estão convertendo banheiros para aumentar a proporção para mulheres. O principal órgão legislativo está considerando uma lei sobre violência doméstica.
Nossos atos irritaram alguns chauvinistas, que nos ameaçaram e assediaram nas redes sociais. A polícia nos alertou sobre a má influência das “forças hostis” no Ocidente e começou a monitorar nossos telefones e email.
A prisão de minhas cinco amigas, que ocorreu dias antes do Dia Internacional da Mulher, mostrou que o governo se assustou com um grupo de jovens mulheres por sua habilidade de mobilizar uma ampla rede de suporte. Elas foram encarceradas sob acusação de "arrumar brigas e causar problemas," mesmo que o evento estivesse em fase de planejamento e que nossas atividades passadas tenham sido feitas pacificamente. A polícia puniu minhas amigas por intimidar outros ativistas sociais e políticos. 
Em um futuro próximo, mesmo se tivermos que ajustar nossas estratégias para lidar com esse ambiente difícil, nós nunca iremos desistir. Nós esperamos que a comunidade internacional também não.
Feminismo nunca foi um assunto tabu na China porque nossas mensagens eram consistentes com as do governo, que se autodenomina defensor dos direitos das mulheres. Mas isso tudo mudou com a prisão do grupo que a mídia chamou de "Feminist Five". De forma inesperada, a polícia ajudou a criar mais interesse público no feminismo na China.


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