Título original: We sold feminism to the masses, and now it means
nothing
Autora: Marcie Bianco
Tradução: Laryssa Azevedo
Disponível em: http://goo.gl/tJfsQ4
Atualmente, o feminismo está com tudo. Vendido por todos, de Dove à Barbie
à Taylor Swift, o capitalismo de consumo tornou o feminismo sexy, divertido,
legal — e extraordinariamente fácil de chamar de seu. Mas o preço tem sido o
significado do movimento em si.
A co-fundadora da revista Bitch, Andi Zeisler descreve esse fenômeno
como “feminismo de mercado.” “Feminismo de mercado é, de várias formas, apenas
demarcar o feminismo como uma identidade que todos podem e devem consumir,”
escreve ela em seu novo livro Nós Fomos Feministas Um Dia: Da Revolucionária a
Garota da Capa, a Compra e Venda de um Movimento Político. Detonado por
conservadores dos anos 70 e 80, que igualavam o feminismo a misandria e a
queima de sutiãs, o movimento passou por uma transformação ideológica para
tornar-se mais palatável para a massa. Essa marca de feminismo foi chamada de
vários nomes ao longo dos anos, de “feminismo pop” a “feminismo branco”, a meu
preferido (e inventado) “feminismo cupcake”. Porque o ideal feminista é a
imagem de uma mulher com um cupcake em cada mão. “Desordem, não dieta!”
Procure no Etsy e você vai encontrar muitos itens que lhe permitirão
mostrar seu feminismo de uma maneira que Zeisler chama de “empoderadora”. Mas,
ela afirma, “Feminismo não tem nada a ver com lingerie, e qualquer um que te
diga isso provavelmente quer te vender algo (lingerie de 45 dólares,
provavelmente).”
É fácil entender o apelo de camisetas estampadas com Rosie, a
Rebitadeira e slogans como “É assim que uma feminista se parece.” Visibilidade
é o primeiro passo de qualquer luta por direitos civis, e feministas devem
poder comprar roupas as quais se orgulham em vestir. Mas a visibilidade
filtrada pelo capitalismo não necessariamente faz a causa avançar.
“Ao invés de fortalecer o feminismo de dentro pra fora,” Zeisler
explica, “uma mudança de imagem é focada no exterior, um esforço de
recrutamento para fazer com que o feminismo atraia a maior audiência possível,
refinado até ser uma imagem e poucas palavras.” Refinados pela era da
propaganda Mad Men e produzidos em massa pela Era Digital, objetivos políticos foram
reduzidos a doces chavões.
Essa é a lição 1 do capitalismo. “O recente perfil ascendente do
feminismo é um lembrete de que a melhor maneira de reprimir um movimento social
é mercantilizá-lo.” Zeisler escreveu em um artigo sobre seu livro para a Time.
“Apenas pergunte a Dove, ou a Verizon, ou a Always, marcas que nos últimos anos
parecem ter repentinamente percebido que bajular as mulheres com propostas e
imagens de empoderamento feminino poderia oferecer um retorno melhor do que as
táticas de propaganda clássicas que apelavam para a vergonha e a insegurança
femininas.” O feminismo de mercado, afirma Zeisler, é “uma forma de prometer
aos acusadores que o feminismo pode existir em espaços fundamentalmente
desiguais sem propor mudanças fundamentais neles.”
Essa qualidade de feminismo passou a significar tudo, e,
consequentemente, nada. Livrar-se da palavra “feminista” é o ponto chave. Mês
passado, a estrela de Game of Thrones Maisie Williams foi louvada pela mídia
por dizer ao Entertainment Weekly que “nós deveríamos parar de chamar
feministas de ‘feministas’ e apenas começar a chamar as pessoas que não são
feministas de ‘sexistas’ — e daí todos os outros seriam apenas humanos” Todos
ganham, certo? “Algumas vezes eu realmente me preocupo com falar sobre assuntos
feministas com medo de ser rachada por mulheres nas redes sociais,” ela
continua.
A tentativa de Williams é ajudar a abrandar tensões sociais em torno do
feminismo, o que é compreensível dado a confusão universalizada do que o
feminismo significa. Mas seus comentários refletem a transformação do feminismo
de um movimento ideológico para uma hashtag nos trends. Nós nem mesmo
precisamos mais nos chamar de feministas.
E ainda, mesmo com toda essa conversa de empoderamento, as mulheres
ainda não conseguem escapar de serem objetos à venda. De fato, o consumo
cultural do feminismo pode acabar reforçando tramas sexistas de objetificação.
Estamos vendendo a nós mesmas para vender nossa mensagem.
Deve-se notar que a opinão de Williams não é a única — lembra quando a
Time sugeriu em 2014 que a palavra “feminista” se tornou usada demais e deveria
ser banida? “Parem de jogar esse rótulo por aí como papel picado na parada de
Susan B. Anthony”, escreveu a revista. Para algumas feministas, o gesto foi um
ataque indireto ao movimento político em si. O desejo de eliminar a palavra é
equivalente ao apagamento do movimento. Ao invés de jogar as mãos para o alto e
abandonar o rótulo, nós devemos restaurar sua potência.
“O problema é — o problema sempre foi — que o feminismo não é
divertido”, declara Zeisler. “Não é pra ser divertido. É complexo e difícil e
chateia as pessoas. É sério porque é sobre pessoas exigindo que sua humanidade
seja reconhecida como valiosa. Os problemas originais que o feminismo confronta
— desigualdade salarial, divisão sexual do trabalho, racismo e sexismo
institucionais, violência estrutural e, claro, autonomia corporal — são
profundamente não atraentes.”
Então, não, nós não devíamos parar de chamar feministas de “feministas”.
Parafraseando Simone de Beauvoir, não se nasce feminista, torna-se. É um
comprometimento político deliberado. É uma ética de vida, de luta por igualdade
de gênero na lei, por atuação e autonomia feminina, por poder político e
representativo para mulheres. Ser feminista é lutar contra a desigualdade
estrutural e barrar a estrutura de poder patriarcal. No que diz respeito a
isso, é inerentemente desconfortável. Mas feministas não estão aqui para fazer
com que ninguém se sinta confortável — essa é a questão. E nenhuma quantidade de
camisetas com estampas espertas vai mudar isso.
Laryssa Azevedo, muito obrigada por sua dedicação e em compartilhar esse texto que consegue amarrar muitas ideias e as angústias que estamos vivendo
ResponderExcluirTexto muito bom!
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