Parte um da tradução do livro Luna Roja de Miranda Gray, por Laryssa Azevedo:
1.
Introdução
O propósito deste livro
Na sociedade moderna, o ciclo menstrual é experimentado como um fenômeno
passivo sobre o qual só se admite sua aparição, já que todo o restante do
processo é ignorado ou ocultado. Assim, nos é ensinado que devemos enfrentar
nossa angústia e nossas necessidades sem chamar a atenção, de modo que este
comportamento faz parte do que é ser uma mulher. Este é o motivo pelo qual
nós costumamos esconder nossas dificuldades: devido ao medo de que os demais
nos considerem fracas ou pensem que fazemos tempestade em copo d´água. E é
precisamente essa falta de comunicação e reconhecimento social que perpetua o
isolamento do ciclo menstrual como um acontecimento oculto e furtivo. Luna roja mostra que na verdade trata-se de um acontecimento dinâmico que, uma vez liberado dos condicionamentos e
restrições sociais, pode afetar ativamente o crescimento físico, emocional,
intelectual e espiritual da mulher, assim como o da sociedade e o meio em que
ela se desenvolve.
A mulher em idade fértil vive em uma sociedade orientada para o
masculino, a qual modifica tanto sua percepção de mundo como a de si mesma.
Trata-se de um ambiente que não só não a guia nem proporciona estruturas e
conceitos para encarar os sentimentos e as experiências do ciclo menstrual,
como sequer reconhece as expressões que podem surgir dele. É por isso que o
objetivo de Luna roja é ajudar na tomada de consciência deste ciclo e entender
as energias inerentes a ele de maneira concreta, precisa e individualizada: ao
levar em conta o fato de que cada mulher o experimenta de modo distinto, propõe
ideias projetadas de modo que cada leitora possa adaptá-las a suas próprias
necessidades.
Luna roja também expõe uma perspectiva dupla. Existe um grande número de
lendas, mitos, histórias populares e contos infantis que contêm uma importante
quantidade de ensinamentos e ideias relacionadas ao ciclo menstrual. Como
lamentavelmente a sociedade moderna já não conta com esse material, esse texto
oferece uma reinterpretação de algumas dessas conhecidas histórias, utilizando
os contos populares e seu simbolismo em um novo relato chamado “O despertar”
para que se possa compreender a natureza cíclica feminina (capítulo 2). Apesar
de os conceitos e estruturas serem muito importantes, as experiências pessoais
que os respaldam são tão ou mais importantes, razão pela qual este livro também
propõe sugestões que ajudaram a mulher a conhecer melhor seu próprio período –
assim como o modo como o percebe – através de sua interação pessoal mês a mês.
Esses dois enfoques estão inter-relacionados, pois as histórias e a
mitologia que contêm imagens relativas ao ciclo menstrual surgiram de experiências pessoais, fazendo com
que se convertam em uma importante fonte de ensinamentos capazes de ajudar a
mulher moderna a compreender melhor suas próprias vivências no que se refere ao
ciclo feminino. Além disso, com o objetivo de reforçar a ideia de que o
conhecimento pessoal é muito importante, este livro propõe ideias práticas e
exercícios que poderão incorporar-se facilmente à vida cotidiana. Luna roja, que parte da premissa de que
a experiência menstrual é a totalidade do ciclo e não somente os dias que se
passa sangrando, aponta sugestões práticas acerca dos métodos que podem ser empregados
para estabelecer uma influência mútua com as energias próprias deste período;
também ensina a mulher distintas formas de transmitir sua compreensão desde
ciclo vital não somente a suas filhas mas também a outras mulheres.
A posição social da menstruação
Durante centenas de anos o ciclo menstrual feminino gerou desprezo e
aversão, sendo considerado um sujo símbolo de pecado, cuja existência reforçava
a inferioridade da mulher na sociedade claramente dominada pelo homem. Hoje em
dia, inclusive, se pensa na menstruação como uma desvantagem biológica que
transforma a mulher numa trabalhadora emocional, irracional, instável e em quem
não se pode confiar. Na cultura ocidental industrializada – que se
autoqualifica “iluminada” – raramente se fala em menstruação, a menos que seja
em termos médicos. Dessa forma, apesar de tratar-se de um processo natural,
segue criando barreiras entre mães e filhas, maridos e esposas, irmãs ou
amigas e faz com que muitas mulheres vivam odiando a si mesmas e sentindo-se
culpadas pela depressão, irritabilidade, inchaço e a falta de jeito que
aparecem durante certos dias do mês. Quantas delas transmitiram seu ódio ou
medo a suas filhas, com palavras ou através de seu comportamento? Quantas
sofreram uma primeira experiência menstrual assustadora por não saber nada
sobre o tema nem conhecer seus aspectos clínicos, que explicavam, no mínimo, o
modo como se sentiam? Na sociedade
moderna, na qual os ritos de transição
não existem, quantas meninas realmente se sentem gozando a dádiva de ser mulher,
e quantas foram guiadas para converter essa experiência em uma fonte de
conhecimento? Aprender a descobrir as dádivas da própria menstruação e
enxergá-la de forma positiva fará com que a mulher possa ajudar suas filhas a
aceitar sua condição feminina e os ciclos que lhe são próprios.
Há muitas mulheres que sofrem tanto mental quanto fisicamente durante a
menstruação, porém a ajuda proporcionada geralmente é destinada apenas a
combater os sintomas, pois a causa de seu mal estar, que obviamente é o fato de
ser mulher, não se pode remediar. É certo que hoje em dia a existência da tensão
pré-menstrual começou a ser aceita, mas seus efeitos ainda são considerados
negativos e destrutivos. A realidade é que as mulheres têm que fazer um grande esforço
para que a sociedade, a medicina e as leis aceitem que sua menstruação as faz
experimentar um estado alterado de consciência, com a desvantagem extra de que
lamentavelmente já não contam com nenhuma estrutura ou tradição que as ajude a
compreender e utilizar essa consciência de forma positiva.
Além do mais, a visão linear que a sociedade tem sobre o tempo e a realidade faz com que a mulher que menstrua tenha dificuldade em aceitar sua inevitável e
natural qualidade cíclica, assim como aceitar e aplicar esse fato em sua vida. Mesmo
que registre em seu diário as datas de suas menstruações, terá dificuldades em
vê-las como um ciclo e tenderá a pensar nelas como um esquema linear
repetitivo. No capítulo 4 veremos que a utilização do Diagrama Lunar nos permitirá reunir essa informação e analisá-la de
acordo com novas perspectivas. Assim, se a mulher realmente toma consciência de
que sua vida menstrual é uma expressão de um ser de natureza cíclica, começará
a ver que faz parte dos grandes ritmos do universo, aceitará mais sua
verdadeira condição e conseguirá trazer a harmonia para sua vida.
O tabu da menstruação
As antigas culturas sem dúvida conheciam o poder da menstruação, um saber
e aceitação que ainda hoje persiste em poucas sociedades; mas ocorreu que os homens
das sociedades patriarcais começaram a considerar este poder como um perigo
para eles, de modo que as práticas que as mulheres haviam estabelecido para
lidar com as energias criativas inerentes a esse processo natural de seus
organismos se transformaram em objeto de duras críticas. A menstruação passou a
ser considerada, de santa e sagrada à suja e poluente, e foi fomentada a
crença de que a mulher naqueles dias
era uma “fonte ambulante de energia destrutiva”, de forma que por trás de sua
feminilidade se escondia um tremendo poder mágico. Chegou-se a conclusão de que
a única forma de conter tal poder era afastar a mulher da comunidade e da
terra, pois se pensava que essa magia desenfreada não somente afetava a tudo aquilo que entrava em contato com a mulher, mas era especialmente
perigosa para os homens e seu modo de vida, seus pertences e seu gado.
Afastar a mulher do resto da comunidade quando apareciam as primeiras
manchas de sangue se transformou em algo imprescindível. Muitas culturas
impunham que seu confinamento fosse numa cabana juntamente com as demais
mulheres da tribo, longe dos demais integrantes do povoado. Dessa forma, como tudo
que estivesse em contato com elas estaria “contaminado” e teria que ser
destruído, era proibido tocar os utensílios cotidianos e em particular qualquer
pertence masculino, pois se temia que o poder pudesse matar um homem ou fazê-lo
perder sua aptidão para a caça (em algumas culturas, inclusive, quem quebrasse
este tabu era castigado com a morte). Era permitido receber a visita de outras
mulheres, com a condição de que estas também permanecessem totalmente isoladas
dos homens da aldeia: não poderiam vê-los nem deixar-se ver por eles.
A superstição chegou a tal ponto que ir a certos lugares e tocar
determinados objetos não eram as únicas proibições: os alimentos que se poderia
ingerir também eram especificados. Em alguns casos não era permitido comer
carne ou beber leite por medo de que a caça fosse prejudicada ou que as vacas
perdessem sua capacidade de produzir leite; em outras palavras, a mulher era
considerada tão impura que ofendia a natureza e provocava uma alteração na
ordem natural das coisas.
O momento mais perigoso para a comunidade era a primeira menstruação das meninas, de maneira que as restrições com elas costumavam ser mais extremas do
que as destinadas a mulheres adultas. Um exemplo era o confinamento em uma
jaula, impedindo a jovem de caminhar pelas terras da comunidade ou ver o sol.
O tabu menstrual não se limita unicamente às sociedades primitivas ou do
passado, pois mesmo em nossos dias muitas religiões restringem física e
mentalmente a mulher durante seu período.
Por exemplo, na cultura islâmica uma mulher que está menstruando é proibida de
entrar na mesquita, norma cuja transgressão antigamente era penalizada com a
morte. Em algumas culturas cristãs, a menstruação representa o pecado original
de Eva: com ele nascem todas as mulheres cristãs, que se veem obrigadas a
expiá-lo continuamente se quiserem ir para o céu. O que se deduz, de ambos os
casos, é que nenhuma mulher é suficientemente sagrada para se tornar parte
ativa na religião
Temos que nos dar conta de que uma parte de nossa atitude a respeito da
menstruação foi criada pela história da sociedade; uma vez que o fazemos,
podemos nos desfazer desse condicionamento social e temos a oportunidade de
voltar a analisar o ciclo menstrual a fim de descobrir o que significa para cada
uma de nós individualmente, à margem da opinião de qualquer outra pessoa ou
grupo.
As energias menstruais
Neste livro, o termo “menstrual” faz referência a temas pertinentes a
totalidade do ciclo que ocorre durante todos os meses, ao invés de limitar-se
ao fluxo de sangue. As energias criativas vinculadas ao ciclo menstrual têm
diferentes orientações e aspectos e estão intimamente relacionadas com o ciclo
uterino. Se o óvulo que é liberado durante a ovulação se fertiliza, tais
energias se expressam mediante a criação de uma nova vida; se não há
fecundação, se refletem na vida da mulher de qualquer maneira.
As energias do ciclo menstrual não devem ser restringidas ou controladas,
pois bloqueá-las ou cortá-las pode fazer com que se tornem destrutivas. Pelo
contrário, deve-se aceitá-las como um fluxo que tem seu próprio modo de
expressão e contra o qual não podemos lutar. Desse modo evitamos correr o risco
de nos machucar tanto física como emocionalmente. A mulher que resiste nega sua
própria natureza, razão suficiente para permitirmos que as energias menstruais
encontrem sua expressão nos múltiplos aspectos da natureza feminina.
O fato de as mulheres serem afastadas da comunidade enquanto durasse seu
fluxo menstrual era uma forma natural de expressar as energias da menstruação.
Aquele era um período de ensinamento e aprendizagem, o momento de utilizar as
energias coletivas de todas as mulheres que estavam menstruando. A princípio o
confinamento durante a puberdade não tinha uma conotação negativa, pois era
considerado um meio para que as mulheres sábias ensinassem as mais jovens sobre
a natureza de seus corpos, as energias que tinham acabado de descobrir e as
tradições espirituais que as acompanhavam. Permitia que a jovem mulher se
sentisse em harmonia com sua própria natureza e pudesse utilizar suas energias
em benefício da comunidade e da terra.
Conheça seu ciclo menstrual
Exercício:
Está claro que a intensidade da vida cotidiana faz com que seja difícil
encontrar tempo para se comprometer com um novo projeto. Até mesmo dispor de
quinze minutos para escrever um diário pode se tornar um problema quando um
quarto de hora a mais na cama é vital! Entretanto, se você está disposta a
compreender as energias de seu próprio ciclo menstrual e seguir um registro dos
exercícios sugeridos neste livro, é imprescindível ter um diário e anotar
certos dados em detalhes (conforme indicado a seguir) durante ao menos três
meses, com o objetivo de obter uma representação razoável de seu ciclo e poder
levá-la aos Diagramas Lunares. Mesmo que após o primeiro mês já seja possível
começar a ter uma ideia da forma de seu ciclo, é útil seguir escrevendo em seu diário todo tipo
de notas, ideias e sonhos para registrar suas visões e experiências. A
informação não precisa ser muito extensa, mas deve incluir alguns dados
concretos como:
- Relato
- Data
- Dia do ciclo
O dia em que o fluxo menstrual começa será o número um. Se você não sabe
em que dia está, siga com o restante dos apontamentos até começar a menstruar
novamente.
- Fase lunar
A maioria dos jornais te informa em que fase se encontra a lua. Desenhe
um pequeno símbolo para especificar se trata-se de lua cheia, nova, crescente
ou minguante
- Sonhos
Se conseguir lembrar seus sonhos, anote os dados básicos, o tema ou
qualquer imagem intensa dos mesmos. É possível que descubra que lembra de um
sonho quando acorda, mas passados poucos minutos, o esquece. Se for assim,
tente capturá-lo escrevendo sobre ele logo que abrir os olhos ou revivendo-o
mentalmente em detalhes e fixando a ideia que quiser recordar. Depois, escreva
em seu diário quando tiver tempo.
- Sentimentos
Tente tomar nota dos sentimentos que experimentar durante o dia. Sente-se
feliz, triste, sociável, alheia ao mundo, intuitiva, em paz? Sente que certas
coisas ou jeitos de se vestir te atraem mais? Analise sua sexualidade: sente-se
sensual, carinhosa, afetuosa, espiritual, criativa, erótica, selvagem,
exigente, luxuriosa, agressiva, vazia? O importante não é a frequência com que
se mantém relações sexuais com seu parceiro ou parceira se os tiver, mas tentar
identificar sua energia sexual e as formas que adota.
-Saúde
Anote se sofrer qualquer dor ou aborrecimento menstrual, se tem desejo
por determinados alimentos e se está se sentindo estressada.
É necessário ser consciente de seu ciclo e conhecer o modo como ele te
afeta, embora também deva levar em consideração seu passado menstrual e
considerar suas relações e influências anteriores e atuais. Tire um tempo para
lembrar de sua primeira menstruação: o quanto você sabia sobre o tema naquele
momento? Foi uma experiência assustadora ou embaraçosa? Quais foram as reações
de sua mãe, sua família, suas amigas do colégio e seus professores? Pense
também no modo como sua mãe ou outras mulheres próximas de sua família
consideram sua própria menstruação. Como a chamam? Você conversa com elas sobre
seu ciclo menstrual? Se tem filhos, como explicou ou irá explicar a eles o que
é menstruação? Se trata-se de meninas, de que forma falará com elas sobre seus
próprios ciclos?
Concentre-se na relação entre a menstruação e seu parceiro, seus
companheiros de trabalho e seus amigos. Eles a ignoram, considerando-a um
problema feminino, fazem piadas a respeito ou se referem a ela de forma depreciativa?
É desagradável para você ou seu parceiro ter relações sexuais durante seu
período menstrual? Por que? Resuma sua opinião em seu diário.
O próximo capítulo introduz alguns conceitos e ideias relacionados ao
ciclo menstrual que são provenientes de diferentes culturas e lendas e que se
combinam em uma história chamada O
despertar. Nos capítulos subsequentes trataremos amplamente dos temas,
imagens e conceitos que nela se incluem.
O propósito de utilizar uma história dessa forma é encorajá-la a se
identificar com certos personagens e imagens vinculadas a menstruação: assim
surgirá o tradicional processo de iniciação, ou seja, a aquisição do conhecimento
através da visualização ou imagens em sua própria mente. Sua participação no
relato, escutando-o ou lendo-o pode despertar sua compreensão e inspiração e
fazer com que você experimente as emoções e sentimentos que unem os conceitos
dessa história à natureza intuitiva
da mente, não ao intelecto.
O despertar contém vários
níveis de leitura, nos quais cada mulher pode participar segundo seu próprio
nível de compreensão. Não se preocupe se sentir que não entendeu o significado
de todos os símbolos da história, já que muitos deles serão mais acessíveis a
medida que trabalhares com os exercícios que este livro apresenta.
Depois
de ler e finalizar os exercícios, seria interessante a releitura de O despertar e o capítulo seguinte a fim
de comparar a compreensão de seu ciclo com as imagens provenientes da mitologia
e dos contos populares.
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