MADONNA
COMO MODELO
A
cultura criada ao redor da cantora Madonna foi um importante elemento na
normatização do visual de prostituta na alta costura. No final dos anos 1980 o culto à Madonna como heroína “transgressora” uniu feministas liberais,
maquiadores, antifeministas e estudiosos de teoria pós-moderna. Madonna se
vestiu com roupas usualmente associadas com o bordel sadomasoquista e
constantemente pegava em sua virilha no palco. Ela criou o Sex, livro do
sexo, cheio de imagens de pornografia e prostituição e fez vídeos que são
diretamente sobre prostituição (O’Brien, 1992). Quando criticada pela cena na
qual está acorrentada à cama em Express Yourself e se arrastando de quatro pelo
chão ela diz “Ok, mas eu me acorrentei, certo?”... Eu estou no comando, certo?
Degradação é quando outra pessoa está te forçando a fazer algo que vai contra
seus desejos, certo?” (citado em Schulze et al.,1993, p. 28). Na análise de
Madonna sobre como as forças de dominação masculina funcionam, falta
sofisticação.
Camille
Paglia escolhe celebrar Madonna especificamente porque ela, Paglia, é
“radicalmente pró-pornografia e pró-prostituição” e enxerga “o exibicionismo
sexual de Madonna não como algo barato ou trivial mas como a completa,
florescida expressão do antigo domínio da vadia sobre os homens” (Paglia, 1992,
p. 11). Enquanto muitos fãs de Madonna a defendem contra acusações de
detratores de que ela se representa como prostituta, Paglia diz que ela certamente
faz isso, e isso que a faz poderosa. Prostitutas, na visão de Paglia, dominam
os homens. Isso provavelmente seria novidade para as milhões de mulheres
sofrendo na indústria internacional do sexo, das quais a vasta maioria gostaria
de sair mas não pode (Jeffreys, 1997b; Barry, 1995). As performances de
Madonna fazem parecer que a prostituição dá poder a mulheres sobre homens. Ela
representa a ocupação de mulheres, a qual Monique Wittig chama de categoria do
sexo (Wittig, 1996), como poderosa, e parece abraçar alegremente a performance
da acompanhante sexual dividida pelas mulheres. Seus defensores, que falam com
empolgação sobre seu poder, são incapazes de distinguir entre uma atriz
representando uma prostituta que tem poder sobre homens e o exercício do poder
no mundo real, incluindo no bordel.
Teóricos
pós-modernos de estudos culturais elevaram madona ao status cultural com uma
grande quantidade de livros escolares em linguagem pós-moderna e uma área
acadêmica inteira de estudos devotados a ela em universidades americanas
(Lloyd, 1994; Schwichtenberg, 1993a). Aqueles que desejaram argumentar que a
cultura popular poderia levar ao empoderamento feminino ao invés de exercer um
papel em sua opressão escolheram Madonna como seu símbolo. Eles promoveram
Madonna como modelo de agência feminina e transgressão e modelo para a nova
geração de mulheres empoderadas. No curso de seus elogios eles ridicularizaram
o que consideravam feminismo antiquado e anti-sexo – o tipo que criticava a
cultura popular por seus valores misóginos.
Abordagens
pós-modernas são mais sutis do que a de Camille Paglia, apesar de que, eu
diria, a mensagem básica é a mesma; Madonna como um modelo transgressor para
jovens mulheres. Como Ann Kaplan coloca em uma coleção de edições lançadas
sobre novos estudos a respeito de Madonna: “De acordo com a abordagem dos
estudos culturais britânicos, Madonna, especialmente em suas primeiras fases,
tem sido um útil modelo para mulheres adolescentes na geração e promoção de sua
imagem, em sua autonomia e independência, e em sua determinada criatividade” (Kaplan,
1993, p. 162). Cathy Schwichtenberg, editora de The Madonna Connection (Conexão
Madonna) (1993a), celebra Madonna por exemplificar a prática tão amada por
feministas pós-modernas, a “performance de gênero” – ou seja, ao atuar uma feminilidade exagerada e desta forma mostrar que a feminilidade é de fato
uma construção social, “Madonna carrega os dispositivos da feminilidade,
afirmando assim a feminilidade como um dispositivo. Madonna leva o estímulo ao
limite em uma manobra desconstrutiva que joga a feminilidade contra si mesma –
uma metafeminilidade que reduz o gênero a reprodução do estilo”
(Schwichtenberg, 1993b, p. 134). A ideia parece ser que aquelas para as quais
Madonna era um modelo, geralmente jovens garotas adolescentes, reconheceriam a
partir dessa performance que elas não precisavam reproduzir a feminilidade.
Elas teriam a sofisticação para entender, como presumivelmente seus fãs em
departamentos de estudos culturais entenderam, a forma na qual o trabalho
artístico funcionava, isto é:
Performance de gênero é a mistura e combinação entre estilos que flerta com os significantes da diferença sexual, desligados de suas âncoras. Tal inconstância enfatiza a fragilidade do gênero, sendo este puro artifício. Dessa forma, os papéis de gênero de desenham em um trabalho artístico pós-moderno de múltiplos estilos: masculinidade e feminilidade fraturados e refratados em tensão erótica.(Schwichtenberg, 1993b, p. 134)
Madonna
é vista por teóricos pós-modernos como transgressora ao “cruzar as barreiras
estabelecidas de papéis de gênero apropriados e sexualidade desenhada pelo
patriarcado e heterossexualismo” (Schulze et al., 1993, p. 23). Mas teóricos
pós-modernos apontam que muitos críticos de Madonna não conseguem ver que ela
representa uma “ameaça radical” (Schulze et al., 1993, p. 23) e tendem a
caracterizá-la como representante das prostitutas ao invés. Qual a natureza da
“ameaça” que os entusiastas de Madonna consideram que ela representa? Madonna
tira as fantasias masculinas de sadomasoquismo e prostituição dos bordéis e da
pornografia e as coloca na indústria do entretenimento. Ela vende a prática da
prostituição a jovens mulheres como uma forma de empoderamento feminino. O
efeito é a contribuição significativa à
normatização da prostituição, tornando publicamente aceitável retratar
mulheres como prostitutas na moda e na propaganda em geral. Cheryl Overs,
porta-voz da organização pró-prostituição Network of Sex Work Projects (Rede de
Projetos de Trabalho Sexual), credita à Madonna o feito de tornar seu trabalho
muito mais fácil nos anos 1980 (Doezema, 1998). Ela entende que Madonna
conseguiu normatizar a prostituição na cultura mainstream.
Madonna
tornou-se desapontantemente não-revolucionária assim que desce do palco. Ela
escolheu o casamento e a maternidade. Como o jornal Daily Mail reportou: “Ela é
uma menina doce e será uma excelente mãe, afirmam os pais do namorado” (citado
em Smith, 2000). Entretanto, com o encorajamento de uma indústria do
entretenimento que sabe que pornô vende, e o desejo de chamar a atenção, ela
escolheu representar a prostituição enquanto fazia sua fortuna. O dano que ela
causou é que a moda de jovens meninas é agora mais firmemente alinhada ao
serviço à sexualidade masculina. O visual da prostituta ou “vadia” continua
sendo chique. Ao fazer esta crítica estou ciente de que será desprezada por
estudos culturais feministas da mesma forma em que desprezam mulheres na
audiência de Madonna que não apreciam sua performance, “Quando o hater é uma
mulher, pode-se especular que a rejeição é a manifestação de uma mera ‘autorrejeição’,
um ódio a si mesma resultante da interiorização do feminino patriarcal”
(Schulze et al., 1993, p. 31). Este é um exemplo do que a filósofa feminista
radical Mary Daly chama de “patriarcal reverso” – isto é, feministas acusadas
de reproduzir precisamente os valores e práticas que criticam (Daly, 1979).
PRÁTICAS
DE BELEZA PORNOGRÁFICAS
As
mulheres na pornografia têm seus corpos transformados para se ajustar aos
interesses fetichistas dos consumidores homens. Elas têm implantes nos seios,
bem como outras formas de cirurgia cosmética, depilação brasileira e
labioplastia. Adult Video News demonstra, numa entrevista com uma atriz pornô,
Tabitha Stevens, como a mutilação requerida daquelas que querem fazer sucesso
pode ser severa. O programa televisivo Entertainment Tonight documentou e pagou
parcialmente por sua cirurgia de US$ 30,000. O cirurgião era, de acordo com
ela, totalmente incompetente:
“Coloquei implantes nas bochechas, um deles ele colocou torto, do lado errado” ela explica. “Ele os colocou em direção ao meu olho; eles deveriam ser em direção à minha boca. Bem, um deles virou, estava saindo pelo meu olho. Ele consertou isso, mas estava virando de novo, e isso era muito desconfortável. Então fui até ele novamente. E ele queria me cobrar para fazer de novo. E eu disse, ‘Beija minha bunda’.”(Adult Video News, 2002b)
Tabitha
fez cinco cirurgias nos seios e quer fazer lipoaspiração em seu dedo mindinho
para vender a gordura retirada na internet.
Existem
outros exemplos de práticas de vender carne tirada dos corpos de modelos pornô.
A estrela pornô Houston vendeu as partes de seus lábios vaginais que foram
removidas em uma cirurgia de labioplastia. Adult Video News (2000) explicou que
a “Rainha mundial da suruba” fez um “duplo procedimento de várias horas para
reduzir os lábios vaginais e substituir implantes de seios. ‘Eu nunca gostei de
meus lábios vaginais’ disse Houston. ‘Eles sempre caíam para fora do meu
biquíni’.” Ela supostamente teve “um centímetro de vulva cortado dos lábios
internos”. Um fotógrafo registrou a operação. AVN explicou que “Demorou um
tempo até que Houston estivesse bem o suficiente para atuar” (Adult Video News,
2000), e disse que ela subsequentemente leiloou “cortes de lábios vaginais no leilão
online Eroticbid.com.”
Conforme
a indústria pornográfica cresce e se naturaliza ao ponto de mulheres serem
expostas a ela em suas casas por parceiros homens, surgem novas práticas de
“beleza” relacionadas. A ascensão da exigência de que mulheres devem ter seios
grandes, e os lucros concomitantes da cirurgia de implante nos seios, deve
muito à pornografia mas eu lido com esse assunto mais adiante. Aqui eu me
concentro no impacto da pornografia nos genitais femininos. A pornografia criou
uma nova área no corpo feminino na qual elas devem direcionar ansiedade,
dinheiro e procedimentos dolorosos. Onde uma vez mulheres quase não olhavam
seus genitais elas agora são exigidas a dar a eles tanta atenção quanto
reservavam a seus rostos.
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