terça-feira, 2 de janeiro de 2018

[CAPÍTULO 4, PARTE 2] Beleza e Misoginia - Sheila Jeffreys (2005)

MADONNA COMO MODELO

A cultura criada ao redor da cantora Madonna foi um importante elemento na normatização do visual de prostituta na alta costura. No final dos anos 1980 o culto à Madonna como heroína “transgressora” uniu feministas liberais, maquiadores, antifeministas e estudiosos de teoria pós-moderna. Madonna se vestiu com roupas usualmente associadas com o bordel sadomasoquista e constantemente pegava em sua virilha no palco. Ela criou o Sex, livro do sexo, cheio de imagens de pornografia e prostituição e fez vídeos que são diretamente sobre prostituição (O’Brien, 1992). Quando criticada pela cena na qual está acorrentada à cama em Express Yourself e se arrastando de quatro pelo chão ela diz “Ok, mas eu me acorrentei, certo?”... Eu estou no comando, certo? Degradação é quando outra pessoa está te forçando a fazer algo que vai contra seus desejos, certo?” (citado em Schulze et al.,1993, p. 28). Na análise de Madonna sobre como as forças de dominação masculina funcionam, falta sofisticação.

Camille Paglia escolhe celebrar Madonna especificamente porque ela, Paglia, é “radicalmente pró-pornografia e pró-prostituição” e enxerga “o exibicionismo sexual de Madonna não como algo barato ou trivial mas como a completa, florescida expressão do antigo domínio da vadia sobre os homens” (Paglia, 1992, p. 11). Enquanto muitos fãs de Madonna a defendem contra acusações de detratores de que ela se representa como prostituta, Paglia diz que ela certamente faz isso, e isso que a faz poderosa. Prostitutas, na visão de Paglia, dominam os homens. Isso provavelmente seria novidade para as milhões de mulheres sofrendo na indústria internacional do sexo, das quais a vasta maioria gostaria de sair mas não pode (Jeffreys, 1997b; Barry, 1995). As performances de Madonna fazem parecer que a prostituição dá poder a mulheres sobre homens. Ela representa a ocupação de mulheres, a qual Monique Wittig chama de categoria do sexo (Wittig, 1996), como poderosa, e parece abraçar alegremente a performance da acompanhante sexual dividida pelas mulheres. Seus defensores, que falam com empolgação sobre seu poder, são incapazes de distinguir entre uma atriz representando uma prostituta que tem poder sobre homens e o exercício do poder no mundo real, incluindo no bordel.

Teóricos pós-modernos de estudos culturais elevaram madona ao status cultural com uma grande quantidade de livros escolares em linguagem pós-moderna e uma área acadêmica inteira de estudos devotados a ela em universidades americanas (Lloyd, 1994; Schwichtenberg, 1993a). Aqueles que desejaram argumentar que a cultura popular poderia levar ao empoderamento feminino ao invés de exercer um papel em sua opressão escolheram Madonna como seu símbolo. Eles promoveram Madonna como modelo de agência feminina e transgressão e modelo para a nova geração de mulheres empoderadas. No curso de seus elogios eles ridicularizaram o que consideravam feminismo antiquado e anti-sexo – o tipo que criticava a cultura popular por seus valores misóginos.

Abordagens pós-modernas são mais sutis do que a de Camille Paglia, apesar de que, eu diria, a mensagem básica é a mesma; Madonna como um modelo transgressor para jovens mulheres. Como Ann Kaplan coloca em uma coleção de edições lançadas sobre novos estudos a respeito de Madonna: “De acordo com a abordagem dos estudos culturais britânicos, Madonna, especialmente em suas primeiras fases, tem sido um útil modelo para mulheres adolescentes na geração e promoção de sua imagem, em sua autonomia e independência, e em sua determinada criatividade” (Kaplan, 1993, p. 162). Cathy Schwichtenberg, editora de The Madonna Connection (Conexão Madonna) (1993a), celebra Madonna por exemplificar a prática tão amada por feministas pós-modernas, a “performance de gênero” – ou seja, ao atuar uma feminilidade exagerada e desta forma mostrar que a feminilidade é de fato uma construção social, “Madonna carrega os dispositivos da feminilidade, afirmando assim a feminilidade como um dispositivo. Madonna leva o estímulo ao limite em uma manobra desconstrutiva que joga a feminilidade contra si mesma – uma metafeminilidade que reduz o gênero a reprodução do estilo” (Schwichtenberg, 1993b, p. 134). A ideia parece ser que aquelas para as quais Madonna era um modelo, geralmente jovens garotas adolescentes, reconheceriam a partir dessa performance que elas não precisavam reproduzir a feminilidade. Elas teriam a sofisticação para entender, como presumivelmente seus fãs em departamentos de estudos culturais entenderam, a forma na qual o trabalho artístico funcionava, isto é:

Performance de gênero é a mistura e combinação entre estilos que flerta com os significantes da diferença sexual, desligados de suas âncoras. Tal inconstância enfatiza a fragilidade do gênero, sendo este puro artifício. Dessa forma, os papéis de gênero de desenham em um trabalho artístico pós-moderno de múltiplos estilos: masculinidade e feminilidade fraturados e refratados em tensão erótica.(Schwichtenberg, 1993b, p. 134)
Madonna é vista por teóricos pós-modernos como transgressora ao “cruzar as barreiras estabelecidas de papéis de gênero apropriados e sexualidade desenhada pelo patriarcado e heterossexualismo” (Schulze et al., 1993, p. 23). Mas teóricos pós-modernos apontam que muitos críticos de Madonna não conseguem ver que ela representa uma “ameaça radical” (Schulze et al., 1993, p. 23) e tendem a caracterizá-la como representante das prostitutas ao invés. Qual a natureza da “ameaça” que os entusiastas de Madonna consideram que ela representa? Madonna tira as fantasias masculinas de sadomasoquismo e prostituição dos bordéis e da pornografia e as coloca na indústria do entretenimento. Ela vende a prática da prostituição a jovens mulheres como uma forma de empoderamento feminino. O efeito é  a contribuição significativa à normatização da prostituição, tornando publicamente aceitável retratar mulheres como prostitutas na moda e na propaganda em geral. Cheryl Overs, porta-voz da organização pró-prostituição Network of Sex Work Projects (Rede de Projetos de Trabalho Sexual), credita à Madonna o feito de tornar seu trabalho muito mais fácil nos anos 1980 (Doezema, 1998). Ela entende que Madonna conseguiu normatizar a prostituição na cultura mainstream.

Madonna tornou-se desapontantemente não-revolucionária assim que desce do palco. Ela escolheu o casamento e a maternidade. Como o jornal Daily Mail reportou: “Ela é uma menina doce e será uma excelente mãe, afirmam os pais do namorado” (citado em Smith, 2000). Entretanto, com o encorajamento de uma indústria do entretenimento que sabe que pornô vende, e o desejo de chamar a atenção, ela escolheu representar a prostituição enquanto fazia sua fortuna. O dano que ela causou é que a moda de jovens meninas é agora mais firmemente alinhada ao serviço à sexualidade masculina. O visual da prostituta ou “vadia” continua sendo chique. Ao fazer esta crítica estou ciente de que será desprezada por estudos culturais feministas da mesma forma em que desprezam mulheres na audiência de Madonna que não apreciam sua performance, “Quando o hater é uma mulher, pode-se especular que a rejeição é a manifestação de uma mera ‘autorrejeição’, um ódio a si mesma resultante da interiorização do feminino patriarcal” (Schulze et al., 1993, p. 31). Este é um exemplo do que a filósofa feminista radical Mary Daly chama de “patriarcal reverso” – isto é, feministas acusadas de reproduzir precisamente os valores e práticas que criticam (Daly, 1979).

PRÁTICAS DE BELEZA PORNOGRÁFICAS

As mulheres na pornografia têm seus corpos transformados para se ajustar aos interesses fetichistas dos consumidores homens. Elas têm implantes nos seios, bem como outras formas de cirurgia cosmética, depilação brasileira e labioplastia. Adult Video News demonstra, numa entrevista com uma atriz pornô, Tabitha Stevens, como a mutilação requerida daquelas que querem fazer sucesso pode ser severa. O programa televisivo Entertainment Tonight documentou e pagou parcialmente por sua cirurgia de US$ 30,000. O cirurgião era, de acordo com ela, totalmente incompetente:
“Coloquei implantes nas bochechas, um deles ele colocou torto, do lado errado” ela explica. “Ele os colocou em direção ao meu olho; eles deveriam ser em direção à minha boca. Bem, um deles virou, estava saindo pelo meu olho. Ele consertou isso, mas estava virando de novo, e isso era muito desconfortável. Então fui até ele novamente. E ele queria me cobrar para fazer de novo. E eu disse, ‘Beija minha bunda’.”(Adult Video News, 2002b)
Tabitha fez cinco cirurgias nos seios e quer fazer lipoaspiração em seu dedo mindinho para vender a gordura retirada na internet.
Existem outros exemplos de práticas de vender carne tirada dos corpos de modelos pornô. A estrela pornô Houston vendeu as partes de seus lábios vaginais que foram removidas em uma cirurgia de labioplastia. Adult Video News (2000) explicou que a “Rainha mundial da suruba” fez um “duplo procedimento de várias horas para reduzir os lábios vaginais e substituir implantes de seios. ‘Eu nunca gostei de meus lábios vaginais’ disse Houston. ‘Eles sempre caíam para fora do meu biquíni’.” Ela supostamente teve “um centímetro de vulva cortado dos lábios internos”. Um fotógrafo registrou a operação. AVN explicou que “Demorou um tempo até que Houston estivesse bem o suficiente para atuar” (Adult Video News, 2000), e disse que ela subsequentemente leiloou “cortes de lábios vaginais no leilão online Eroticbid.com.”

Conforme a indústria pornográfica cresce e se naturaliza ao ponto de mulheres serem expostas a ela em suas casas por parceiros homens, surgem novas práticas de “beleza” relacionadas. A ascensão da exigência de que mulheres devem ter seios grandes, e os lucros concomitantes da cirurgia de implante nos seios, deve muito à pornografia mas eu lido com esse assunto mais adiante. Aqui eu me concentro no impacto da pornografia nos genitais femininos. A pornografia criou uma nova área no corpo feminino na qual elas devem direcionar ansiedade, dinheiro e procedimentos dolorosos. Onde uma vez mulheres quase não olhavam seus genitais elas agora são exigidas a dar a eles tanta atenção quanto reservavam a seus rostos.

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