TRANSFEMINILIDADE
Homens “montados” revelam a
nua realidade do poder masculino.
Práticas de beleza e
feminilidade caminham juntas mas não são essencialmente propriedades das
mulheres. Neste capítulo eu analiso a feminilidade praticada por homens
para iluminar os significados culturais desse comportamento. O fato de que
homens podem ser expoentes mais ardentes da prática da feminilidade do que
mulheres tem se tornado mais claro em décadas recentes conforme a profissão
médica, a pornografia e a internet espalharam um culto massivo à feminilidade
entre homens na forma do transsexualismo, transgenerismo e travestismo. Feminilidade
é sexualmente excitante para homens que a procuram porque representa status
subordinado e dessa forma satisfaz interesses sexuais masoquistas. A
feminilidade masculina é bem diferente da feminilidade que é uma exigência do
status subordinado das mulheres, porque as mulheres não escolhem a feminilidade
mas tem que se curvar a ela. Feminilidade não é uma forma de fantasia sexual
para mulheres mas sim o difícil e frequentemente ressentido trabalho requerido
daquelas que ocupam o status social subordinado. Entretanto as formas que a
feminilidade aparente tomam são bastante similares em ambos os casos e as
práticas de beleza são idênticas. Enxergar o que homens fazem dela irá mostrar
que a feminilidade, ao invés de ter qualquer conexão com biologia, é socialmente
construída como o comportamento de subordinação.
DEFINIÇÕES DE
TRAVESTISMO/TRANSSEXUALISMO
A prática da “feminilidade”
por homens tem sido, e ainda é largamente definida e corroborada pela medicina.
Sexólogos do século XIX deram nomes e diagnósticos para comportamentos que não
se encaixavam nas compreensões de masculinidade e feminilidade “corretas”
(Jeffreys, 1985). Eles estavam envolvidos em controle social do comportamento
desviante que era visto como ameaça à família heterossexual que está na base da
dominância masculina. No século XX esses comportamentos “anormais” se tornaram
domínio da psiquiatria. Até recentemente a medicina tem tendido a afirmar que
existem claras e identificáveis diferenças entre travestis, que simplesmente
gostam de se vestir com roupas femininas ocasionalmente e transexuais, que
querem viver como mulheres. A criação dessa distinção foi necessária para que
médicos pudessem identificar os que mereciam cirurgia e os que não eram
entendidos como transexuais “reais”. Transexuais foram identificados como os
que sofriam de uma condição médica de transtorno de identidade de gênero no
qual se consideravam mulheres e isso foi explicado como uma primariamente
biológica, ou ao menos uma distinta e essencial, condição.
Feministas construcionistas
sociais não aceitaram essa explicação biológica. Na primeira e ainda assim mais
compreensiva crítica feminista à construção da medicina do fenômeno do
transexualismo (publicada primeiramente em 1979), Janice G. Raymond explica que
a “causa primeira” do fenômeno é a ideia política de que devem haver dois
gêneros distintos que fundam a sociedade patriarcal (Raymond, 1994). Ela
enxerga transsexualismo como uma construção da ciência médica feita para
atingir três propósitos: lucro para cirurgia, experimentações com objetivo de
se dominar a construção de partes do corpo e propósito político de alocação em
categorias aceitáveis de gênero dos rebeldes de gênero que são vistos como
perturbando o sistema de dois gêneros da dominância masculina. O transexual,
ela argumenta, simplesmente troca um estereótipo pelo outro e dessa forma
reforça o tecido social sexista. Transsexualismo, nesta análise, é
profundamente reacionário, uma forma de prevenir a ruptura e eliminação de papéis de gênero que estão na
base do projeto feminista, e “A solução médica transforma-se em um
‘tranquilizador social’ reforçando o sexismo e sua fundação de conformidade com
o papel sexual” (Raymond, 1994, p. xvii).
A crítica feminista não tem,
infelizmente, feito com que os sexólogos parem de dominar e reforçar as
categorias de transfeminilidade. A distinção que sexólogos fazem entre
travestismo e transsexualismo tem sofrido uma grande tensão no tempo da
Internet com materiais, grupos e revistas na web espalhando uma proliferação de
práticas e fronteiras rompidas (McCloskey, 1999). Os que podem uma vez ter se
classificado como travestis – ou seja, homens heterossexuais que permanecem com
suas esposas e ocasionalmente se travestem para seu prazer – agora podem ter
acesso a hormônios e mais facilmente
passar para o transsexualismo. Alguns desses homens agora dizem a médicos que
querem ser metade transsexuais, ganhando seios mas mantendo seus pênis
(Blanchard, 1993). Eles então retém a habilidade de experienciar a excitação do
masoquismo associada a ter seios, através de seus pênis. O aumento de seios, ou
ginecomastia, pode ser alcançado por meio de tratamento hormonal.
Apesar de alguns crossdressers sustentarem que existe uma
clara distinção porque eles não querem ser tentados pela homossexualidade,
outros ficam felizes em dizer que existe uma pequena diferença. Charles Anders,
autor de The Lazy Crossdresser
(2002), nos diz que existe uma diferença bem pequena entre crossdressers e transsexuais, “Existe uma piada comum na comunidade
transsexual: ‘Qual a diferença entre um crossdresser
e um transexual? Dois anos.’ Às vezes a parte final é ‘um ano’. Muitos, talvez
a maioria de transsexuais homem-para-mulher começam como crossdressers, então tendem a ver travestis como seu estado larval”
(Anders, 2002, p. 5). Peggy Rudd, autora de um manual de instruções para esposas de crossdressers, cita uma pesquisa
na qual crossdressers foram
perguntados se fariam cirurgia se pudessem pagar (Rudd, 1999, p. 91).
Aparentemente 24% “deixaram a questão em aberto” e o que determinou sua
resposta foi quanto apoio têm de duas esposas e famílias para ser crossdressers; isto é, nada a ver com se
eram “realmente” mulheres. Rudd diz, “Então mulheres devem aceitar ou homens
farão cirurgia” (1999, p. 91). Biologia não é vista como tendo muito a ver com
isso. Os homens estão fazendo escolhas sobre o quão longe querem ir.
Nos anos 1990 um movimento
transgênero surgiu no qual homens e algumas mulheres alegaram que a operações
de ressignificação de gênero não eram necessárias àqueles que “transicionaram”
de um “gênero” para outro (Bornstein, 1994; Raymond, 1994) porque eles poderiam
ser transgêneros em suas mentes, e por assumir a aparência do gênero oposto
enquanto mantinham suas partes do corpo intactas. A vasta maioria dos que agora
estão sob o guarda-chuva de políticas “transgênero”, entretanto, fizeram
cirurgia ou tomam hormônios para que seus corpos mudem de alguma forma. Alguns
ativistas transgêneros alegam que sua prática era revolucionária porque estavam
mostrando que “gênero” era socialmente construído ao invés de “natural” ao
adotar o gênero feminino como fisicamente inteiramente homens biologicamente e
vice versa. De fato, como eu argumentei em outro lugar, a ideia de “gênero”
transitando é essencial ao reforçar a necessidade da feminilidade e
masculinidade (Jeffreys, 1996). Bernice Hausman (2001) fornece uma crítica
efetiva ao que ela vê como defesa “queer” do transsexualismo como atividade
revolucionária que transgride o gênero. Ela diz que Kate Bornstei e outros
teóricos queer da prática:
Sugerem um certo
essencialismo de gênero: que gênero como uma forma de organização identitária é
central para o projeto humano, que cada indivíduo tem um gênero ou acredita em
si como um gênero, ou que o gênero em alguma tendência (como binário ou plural)
é necessário para ou ao menos inevitável parte do tecido social.
(Hausman, 2001, p. 473)
Feministas que querem
destruir o gênero, porque o enxergam como um produto da dominância masculina,
não “transicionam” de gênero, elas simplesmente passam por cima dele.
Transgêneros são tão apegados a noção de gênero, mesmo que de um diferente do
que vieram, que gastam enormes quantias de tempo, energia e dinheiro para obter
seu gênero escolhido. Políticas transgênero são fundamentalmente conservadoras,
dedicadas a reter os comportamentos das classes dominante e subordinada da
supremacia masculina – masculinidade e feminilidade.
O movimento transgênero pede
por reformas legais, médicas e sociais e para ser isento de análise política,
sobre a base de que transgêneros são uma maltratada minoria biologicamente
distinta. Como minoria, argumenta a organização americana, Aliança Nacional de
Advocacia Transgênera (NTAC), eles sofrem:
Injúria, perda de emprego,
dificuldade de ser recontratados, perda de seguro, divórcio e perda da
visitação dos filhos, ligações telefônicas obscenas e outros tipos de violência
de ódio, rejeição dos pais e irmãos, corte em lugares de adoração,
aborrecimentos causados pela polícia entre outros.
(Aliança Nacional de
Advocacia Transgênera, 2000)
NTAC faz campanha para que
homens que “se constroem mulheres” (MTFs) e mulheres que “se constroem homens”
(FTMs) sejam capazes de ter casamentos “gay” e não ter que revelar seu status
genital para ser legalmente aceitos como membros de seu “gênero” escolhido, ou
seja, tomar hormônios sem cirurgia é suficiente.
Por trás da escolha pela
feminilidade por parte de homens está sua fascinação por exercer o papel
subordinado de “mulher” para a satisfação sexual masoquista que isso oferece.
Para um numero que crescente de homens, a julgar pela pornografia, sites, lojas
e serviços que os servem, os comportamentos e privilégios da feminilidade são
um tipo de brinquedo sexual. Neste capítulo eu analiso esses recursos da internet para mostrar que as práticas masculinas de feminilidade não são sobre
ser “mulheres” mas sobre adotar os comportamentos prescritos socialmente para o
grupo subordinado para aproveitar a satisfação sexual masoquista. Eu argumento
aqui que o transgenerismo por parte de homens precisa ser entendido como
originado em uma fantasia sexual socialmente construída ao invés de um
constituinte de condição biológica. Travestismo, transsexualismo e
transgenerismo podem ser vistos como sendo práticas sexuais ao invés de tornar
aqueles criados como “homens”, “mulheres”. De fato ser criado como “homem” pode
ser uma precondição necessária a prática da feminilidade por homens. Eles
perseguem a “feminilidade” porque ela representa a oposição subordinada à masculinidade e oferece os prazeres do masoquismo. Essa busca pode ter
significado apenas para homens que entendem que seus prazeres masoquistas se
dão em contradição a seu status masculino. Masculinidade produz o comportamento
“feminino” de homens ao invés de estar em contradição a ele.
Existe um certo apoio da
medicina à compreensão da prática da feminilidade por homens como uma fantasia
sexual. Ray Blanchard, um psicólogo no Instituto Clarke em Toronto, um dos dois
lugares que realizam cirurgia transsexual no Canadá, cunhou o termo
“autoginofilia” para descrever “a propensão do homem a ser excitado sexualmente
por pensar em si mesmo como uma mulher” (Blanchard, 1989, p. 616). Blanchard
desenvolveu pesquisas com homens que foram à clínica reportando disforia de
gênero e procurando por cirurgia transsexual. Ele, de certa forma
arbitrariamente, divide esses homens em heterossexuais e homossexuais de acordo
com o objeto primário de seu interesse sexual. Disfóricos heterossexuais são
homens que procuram permanecer com suas esposas ou parceiras mulheres e estão
propensos a definir a si mesmos como “lésbicas” se fizerem a cirurgia.
Homossexuais ou androfílicos disfóricos de gênero são aqueles que são
sexualmente atraídos por homens e permanecem dessa forma se realizam a
cirurgia. Os homens que se identificam como heterossexuais são colocados em
categorias de “autoginófilos” Os que procuram cirurgia transsexual exibem a
forma mais extrema do comportamento autoginófilo. Eles são excitados
sexualmente pela fantasia de si mesmos em corpos femininos.
Em formas menos extremas,
autoginófilos se excitam sexualmente por coisas como vestir roupas “de mulher”
ou envolver-se em atividades “de mulher”. Em um caso que Blanchard descreve o
homem teve “fantasias masturbatórias iniciais” ao “ajudar a empregada a limpar
a casa ou que estava sentado em uma aula de meninas na escola (...) suas atuais
fantasias masturbatórias eram fazer tricô em companhia de outras mulheres e
estar no salão de beleza com outras mulheres” (Blanchard, 1991, p. 236). Outro
paciente “ficou sexualmente excitado ao depilar as pernas e contemplar o
resultado” (p. 237). A infindável corrente de relatos autobiográficos de suas
motivações por crossdressers orgulhosos que tem sido publicada nos últimos anos
torna claro que a excitação sexual é o que os motiva (McCloskey, 199; Anders,
2002; Miller, 1996). O crossdresser heterossexual “Rachel Miller” escreve “Se
homens percebem algo como sexy em uma mulher, por que não poderiam ver isso
como sexy em si mesmos? Parece razoável para mim” (Miller, 1996, p. 55). Isso
parece razoável para mim também, que homens também podem projetar as roupas e o
comportamento que representa a subordinação de mulheres para sua excitação, ou
pegar um atalho no processo ao adotar isso em si mesmos. Ele entende que mulheres
representam “sexo” e o que é “sexy”, perguntando “Querer ser sexy é algo
exclusivo para mulheres?” (p. 55).
Mas essa compreensão, de que
o interesse masculino pelos enfeites da posição subordinada da mulher
é sexual, é controversa. Muitos transsexuais homem-para-mulher e seus
profissionais médicos rejeitam isso porque consideram desrespeitoso a sua
experiência. A medicina tem encorajado transsexuais a desenvolver complicadas
histórias sobre como eles sempre souberam que eram mulheres presas em corpos
masculinos. As histórias orais requeridas são modeladas pelas histórias dadas
por homossexuais homens para sexólogos no final do século XIX e no início do XX
(Weeks, 1977). Os “invertidos” entrevistados por Havelock Ellis, por exemplo,
eram identificados como pessoas que, por algum processo misterioso, tinham
cérebros de mulher aprisionados em corpos de homem (Ellis, 1913). Naquele tempo
a homossexualidade era entendida como biologicamente determinada por uma falha
no desenvolvimento sexual. Homossexuais homens eram vistos como essencialmente
femininos e lésbicas como essencialmente masculinas. Cirurgia transsexual não
estava disponível. Quando tal cirurgia se tornou disponível nos anos 1950,
histórias de ter uma alma de mulher em um corpo de homem foram interpretadas
como critério para diagnosticar uma nova categoria de pessoa construída pela
ciência médica, o transsexual.
Aspirantes a cirurgia
transsexual no presente têm de contar a história correta, como de ter sentido
que eram “realmente” mulheres desde que eram crianças pequenas, para que se
determine que merecem a cirurgia: para ser vistos como os “reais” (Jeffreys,
1990). Entretanto alguns homens têm ficado impacientes com o controle da
medicina. Eles querem cirurgia sob demanda e não ter que inventar histórias
para merecer. Donald (Deidre) McCloskey diz que teve que “mentir” para os
médicos, para se encaixar na história requerida para que obtivesse a cirurgia.
Mas ele desdenha as tentativas da medicina de manter o controle. Sua atitude
era “Oh, sim, doutor, qualquer coisa que sua lista diga” (McCloskey, 1999, p.
145). Ele cita em apoio a este conteúdo a declaração de Pat (agora Patrick)
Califa de que a cirurgia deveria ser um “direito inalienável” e transsexuais
não deveriam ter que recitar um catálogo de sintomas (2002, p. 144).
Nem os médicos que acreditam
que existem transsexuais “reais”, nem os transsexuais que querem a cirurgia têm
procurado ver o transsexualismo como uma simples forma de desvio sexual
derivado do desejo por excitação sexual masoquista. Em alguns países a cirurgia
transsexual está disponível em planos de saúde do Estado ou privados sob os
argumentos de que isso é um tratamento necessário para a doença de ter uma
mente de sexo diferente do corpo no qual reside. Se o transsexualismo é
entendido como uma forma de fantasia sexual então os planos de saúde não
pagariam. Como resultado muitos transsexuais e seus grupos ativistas rejeitam a
noção de que o transsexualismo é sobre qualquer outra coisa que não homens
“realmente” sendo mulheres.
A pesquisa de Blanchard
dividiu a rede transsexual internacional. Um influente homem-para-mulher, Anne
Lawrence, psicoterapeuta, acredita que o conceito de Blanchard de autoginofilia
caracteriza sua experiência muito bem, e também a de centenas de outros MTFs,
muitos dos quais têm sua história em seu site (Lawrence, acessado em 2002)
Lawrence enxerga a si mesmo como um dos membros do grupo heterossexual “que são
atraídos por mulheres, que tiveram bastante sucesso como homens, e que não
parecem notavelmente femininos”. Que força, ele pergunta, poderia ser poderosa
o suficiente para fazer com que tais homens “desistissem de seu lugar no mundo”;
ou seja, dominante status masculino. Isto é, ele concorda com Blanchard,
“desejo sexual - nosso desejo sexual de feminilizar nossos corpos”. Outros MTFs
tem sido menos intensos sobre autoginofilia. “Dr. Becky” diz que o conceito pode
ser usado para apoiar a ideia de que transsexuais são apenas envolvidos em uma
escolha de estilo de vida e isso poderia “negar nossa validade” e criar “mais
dúvida e culpa”. Se o conceito de autoginofilia fosse aceito poderia ser mais
difícil obter cirurgia já que transsexuais
poderiam der vistos com “mais ceticismo”. Poderia haver menos chance de
proteção legislativa dos direitos dos transgêneros e poderia ser mais difícil
fazer com que planos de saúde cobrissem o processo de transição (Dr. Becky,
1998).
Muitos transsexuais, como Dr. Becky, frisam que sua decisão de ser cirurgicamente mutilados não foi resultado
de um desejo sexual mas de uma condição biológica. Lawrence responde a esse
ponto dizendo que certamente a vasta maioria dos transsexuais heterossexuais
começam com poderosa excitação sexual com relação a ser uma mulher, mas quando
chegam ao ponto da cirurgia, isso pode ter se aquietado virando algo que apenas
parece natural e não é mais tão urgentemente excitante. Donald McCloskey apoia
essa noção ao afirmar que no momento em que decidiu que não seria apenas um
crossdresser heterossexual mas queria “transicionar,” “A parte sexual começou a
sumir, algo novo em seu crossdressing, que ele não notou” (McCloskey, 1999, p.
20). Lawrence também aponta que grandes porcentagens, até um terço, dos homens
classificados por Blanchard como andrófilos (que se relacionam com homens
sexualmente antes e depois da cirurgia) também têm histórias de achar os trajes
femininos e a ideia de ter um corpo de mulher sexualmente excitante. A criação
de limites rigorosos entre transsexuais “heterossexuais” e “andrófilos” pode
ser uma batalha perdida em si mesma. As autobiografias de crossdressers e seus
websites certamente sugerem que muitos são interessados em homens tanto quanto
mulheres, ou interessados em homens enquanto vestem roupas femininas, em
qualquer taxa.
O entusiasmo pela
feminilidade na cultura gay masculina requer maiores explicações. A busca por
excitação sexual masoquista ao praticar os comportamentos da classe subordinada
de mulheres é provavelmente uma força condutora, mas a homossexualidade
masculina tem sido associada com feminilidade na sexologia ao longo da história
de tal ciência. Homens homossexuais nos séculos XIX e XX provavelmente se
consideravam de alguma maneira “femininos” por sua deslealdade à masculinidade
heterossexual. Isso foi interrompido nos anos 1960 pelo butch shift, inspirado pelo sucesso da liberação gay, que permitiu
que homens gays escapassem do estereótipo a afeminação e aspirassem a entrar na
categoria de homens “reais” através do emprego do comportamento e estilos
masculinos (Jeffreys, 2003). Esse butch
shift é mais evidente no desenvolvimento da prática do sadomasoquismo gay,
descrito por críticos e praticantes (Levine, 1998; Preston, 1993) como um “teatro
de iniciação” no qual homens gays eram admitidos na masculinidade. Como a
afeminação não era mais um requisito para homens amarem homens, a busca pela
afeminação no travestismo e no transsexualismo precisa ser explicada. O dano
causado pelo abuso sexual de crianças e pela prostituição é uma explicação.
Isso pode fazer com que alguns garotos procurem sair dos corpos nos quais foram
abusados ou possivelmente cair de volta na categoria padrão de feminilidade uma
vez que seu caminho para o poder masculino foi bloqueado por ter sido
subordinados por agressores homens (Webb, 1996). Outra explicação é que o
bullying e o assédio aos quais alguns jovens homens, suspeitos de ser
insuficientemente masculinos são submetidos na escola e na infância danifica
suas chances de entrar no status político superior de masculinidade e pode
fazer com que recorram ao suposto oposto (Plummer, 1999). Na cultura gay, bem
como na cultura heterossexual, a ideia de que existe uma alternativa ao gênero
dominante ou ao gênero subordinado ainda não é bem compreendida.
As indústrias que cresceram
para servir travestis/transsexuais, quer se identifiquem como heterossexuais ou
gays – tais como de roupas e sapatos especialmente desenhados, transformações,
treinamento em movimento e voz, todas criadas para treinar e vestir homens
na feminilidade tradicional – sugerem que a “feminilidade” que procuram é uma
construção social. Não existem industrias similares para mulheres que procuram
a masculinidade. O fenômeno do transsexualismo mulher-para-homem, que tem
crescido consideravelmente nos anos 1990 graças a internet, não parece ser
sobre fantasia sexual mas tem diferentes causas. Tais mulheres são em grande
maioria lésbicas antes de buscar pela cirurgia. O fenômeno de mulheres
transicionando e querendo permanecer com seus maridos que então têm de se
reclassificar como homossexuais, não parece existir. As causas da transição de
mulher para homem não parecem estar na excitação envolvida em vestir roupas “de
homem.” Como expliquei em outro lugar, as causas estão na opressão de mulheres
e lésbicas (Jeffreys, 2003). A primeira causa parece ser a inabilidade de ser
feliz amando outra mulher tendo um corpo de mulher, como resultado de um ódio
internalizado absorvido de uma cultura de ódio a mulheres e lésbicas. Outra
causa está em histórias de abuso sexual e físico por homens que fazem com que
mulheres queiram sair de seus corpos, que associam com a vitimização, e ganhar
segurança ao se identificarem com o abusador. Algumas mulheres que transicionam
querem ter acesso aos privilégios com os quais os homens nascem em virtude de
seu status de dominação masculina. Algumas procuram a transição ao chegar na
menopausa, o que pode ser um evento traumático para lésbicas que estão tão
desesperadas para evitar se tornar mulheres mais velhas socialmente desprezadas
que escolhem se tornar “homens” alterados cirurgicamente (Devor, 1999). A
indústria da transformação não visa essas mulheres.
A INDÚSTRIA DA TRANSFORMAÇÃO
E SEUS CLIENTES
Os centros comerciais que
existem especificamente para servir homens não fazem rodeios para afirmar que
irão satisfazer as fantasias de seus clientes. Eles não se enxergam servindo
uma condição biologicamente determinada mas sim fantasias sexuais masculinas
assim como bordéis e clubes de strip
fazem, e estes são frequentemente gerenciados por mulheres ex prostitutas que
procuram sair da prostituição mas ainda usam suas habilidades para atender as
demandas sexuais masculinas. Alguns são gerenciados por esposas de homens que
fazem a transição, que foram treinadas para entender e apoiar os interesses
sexuais de seus maridos e de outros homens de mentes similares. Outros são
gerenciados por travestis.
A indústria da transformação
é um mercado crescido. A internet oferece centenas de estúdios de transformação
para aspirantes a travestis/transsexuais escolherem. Um deles é o “Hidden
Woman” (Mulher Escondida) em Reno (Hidden Woman, 2002). Essa loja de
transformação e salão de beleza como muitos outros especialistas da vida real e
lojas online, vende toda a parafernália que homens precisam para se
transformar: lingerie, perucas,
enchimentos para colocar em sutiãs e adesivos para mantê-los no lugar,
equipamentos para esconder os pênis e calçados de fetiche. A mulher fantasiosa
que homens travestidos têm em mente, de acordo com as fotos nesses sites e com
o que está disponível na loja, incorpora a exagerada, extrema feminilidade da
pornografia. Os sapatos de salto alto tornam andar praticamente impossível.
Extremamente pontudos e ridiculamente altos, eles parecem com, e sem dúvida são
criados para ser, instrumentos de tortura. Os saltos stiletto têm mais de 15 centímetros. Os lucros a ser conquistados
na indústria da transformação são indicados pela etiqueta de preço que indica
$1.725, anexada a sessão diária oferecida por Veronica Vera em seu estúdio
(Miss Vera, 2002). Veronica Vera tem sido uma ativista e porta-voz de
prostitutas.
O site ABGender.com se
descreve como “O Mais Popular Diretório de Rede e Loja Transgênero da América”
(ABGender, 2002). Ele possui uma grande quantidade de estabelecimentos de
transformação com títulos como “Escola de Finalização da Miss Erica” e
“FemmeFever”. “La Maison de L’Espirit
Feminine” (A Casa do Espírito Feminino) anuncia no site que cria “uma
atmosfera onde você pode explorar os maravilhosos prazeres normalmente
disponíveis somente para (...) o gênero feminino.” Mas esses “maravilhosos
prazeres” estão provavelmente apenas disponíveis para homens que decidem
incorporar o “gênero feminino”. A prazerosa satisfação sexual masoquista
advinda dos equipamentos da feminilidade não é a usual experiência de mulheres
que irão frequentemente achar que as práticas de beleza são rotineiras e
entediantes. La Maison diz que vai
transformar “fantasia em realidade” e assim permitir a satisfação sexual de
homens de “se vestir” em um ambiente seguro. “A Woman’s Touch” (Um toque
feminino) vai treinar homens para “andar e se movimentar com o equilíbrio da
mulher que você se tornou verdadeiramente”. Na “Transformações Incríveis” eles
vão criar “O Look da Secretária Sexy” que muitos de seus clientes tem “muito
prazer com”. “Transformação no Reino Unido” vende:
“Seios realistas, seios de
silicone, silhueta de ampulheta, lingerie sexy, vaginas realistas, perucas,
calçados femininos, roupas coladas e de sadomasoquismo, meias, baby dolls, cobertura de barba,
transformações, joias, unhas pintadas, cílios postiços, luvas, vídeos de
transformação, vídeos de sadomasoquismo TV/TS (travesti/transsexual), diversão
sadomasoquista, hormônios femininos, desenvolvimento de seios, tratamentos
hormonais combinados, terapia de discurso feminino para estudar em casa.”
O suprimento de hormônios
sugere que não existe uma demarcação rígida entre crossdressers e transsexuais
como uma vez existiu. Homens podem adquirir partes do corpo femininas bem como
acessórios e roupas. Embora seja crucialmente necessário para muitos
travestis/transsexuais ver a si mesmos como muito distintos de drag queens, que
se identificam como homossexuais, a distinção não é sempre clara. A lista de
estabelecimentos de transformação inclui um Software de Transformação Drag
Queen que faz com que homens sejam “Drag Queens por um dia”.
Outro aspecto da indústria
que se desenvolveu para servir crossdressers é a depilação a laser. A “Rocky
Mountain Laser Clinic” oferece “Remoção de Pelos Permanente Para Transgêneros”
com fotos de antes e depois (Rocky Mountain Laser Clinic, 2002). Os
fornecedores da indústria transgênero também oferecem “Cobertura da Sombra da
Barba”, “Cartão de Identificação Pessoal Transgênero” e perucas grandes (Tgnow,
2002). “Frederick’s of Hollywood”, a famosa companhia de roupas íntimas de
renda sob encomenda, anuncia no site Tgnow como “Crossdresser Friendly” e diz,
“Uma porcentagem muito grande dos clientes da Frederick’s é de Crossdressers!”
(Tgnow, 2002). Fredericks oferece calcinhas com abertura na virilha para
homens, “babydolls transparentes”, saltos altos e perucas e muito mais. É claro
que se o desejo feminino de escapar da vestimenta degradante da feminilidade
fosse uma ameaça aos lucros de tais fornecedores de feminilidade fetichista
como Fredericks, a demanda de homens facilmente compensaria.
As oportunidades de lucro
desse interesse sexual de homens são cada vez mais variadas. Um trabalho
paralelo lucrativo para um cirurgião cosmético é operar nos rostos de
transsexuais para torná-los mais femininos. Douglas Ousterhout de San Francisco
diz a seus clientes em potencial que “Parecer feminino é, sem dúvidas,
extremamente importante para você. Primeiras impressões são frequentemente
baseadas apenas no seu rosto” (Ousterhout, 1995). Ele não apenas faz os
tradicionais lift na testa e remoção
de gordura, mas também muda os contornos faciais modificando a estrutura óssea,
e vai operar nos ossos da testa, queixo, nariz, bochechas e mandíbula, e no
pomo de Adão. Ele também realiza implantes capilares e de seios.
As fantasias femininas que a
travestis/transsexuais da internet tendem a experienciar retornam aos anos 1950
ou a indústria do sexo. Crossdressers frequentemente vestem deliberadamente
roupas que associam com prostitutas. Essas são as roupas mais sexistas que se
pode imaginar. Charles Anders nos diz que “Garotas recém criadas gravitam ao
redor do look sexy por todo tipo de motivos (...). Ou talvez associem vestir-se
com uma excitação sexual, então querem vestir roupas que gritem ‘menina
safada’” (Anders, 2002, p. 85). As fantasias femininas incorporam ideias
extremamente tradicionais e muitas vezes ofensivas do que ser uma mulher pode
ser. Vicky Valentine, por exemplo, no site “Transgender Galaxy” é a Miss
Setembro de 2002. Seu anúncio pessoal é o seguinte: “Sou uma simpática,
divertida garota de 30 e poucos anos vivendo e saindo em Londres. Eu gosto de
me vestir o mais feminina que posso e amo saltos altos e meias, vestidos
clássicos, e parecer uma vadia às vezes também!” (tggalaxy.com, 2002). O
site Transgender Galaxy é fortemente relacionado a indústria do sexo e oferece
diversos links onde seus clientes homens podem acessar homens e meninos em
pornografia e prostituição. O site parece ser especializado em estereótipos
sexuais de raça oferecendo “Transsexuais brasileiros” ou “www.black-tgirls” ou
“ladyboy”, que possui “she-males da Ásia” e é ilustrado com o
bumbum magro e nu de um jovem asiático que olha sobre o ombro para o
espectador. A imagem de feminilidade que alguns travestis adotam é colhida da
pornografia. Dessa forma o website “Transformação Travesti” oferece “Volta
Às Aulas”, no qual o travesti se veste com um uniforme escolar de menina. O
homem senta em um banco com as pernas abertas mostrando a calcinha em um frame
e em outro se inclina para que a calcinha apareça claramente (Transformation,
2002). A imagem representa a fantasia heterossexual pornográfica comum de usar
sexualmente uma jovem garota mas transposta nesse caso para um corpo masculino.
O website “Transsexual
Magic” oferece uma definição da pessoa transsexual a qual muitas mulheres
rejeitariam como uma definição de feminilidade: “Ela deixa o cabelo crescer e
veste roupas sexy e lindas, depila as pernas e tira as sobrancelhas. No dia a
dia, ela usa maquiagem e fala com voz feminina” (Transsexual Magic, 2002). Esse
website parece ser direcionado a homens que parecem indubitavelmente homens
mesmo quando vestidos como mulheres. Aconselha tais homens a desenvolver auras
femininas que fazem com que sejam percebidos como mulheres apesar de sua
aparência. Eles podem adquirir as auras com afirmações e rituais com velas,
“Comece a afirmar que ‘Eu sou perfeita. Eu sou uma mulher. Eu sou linda.’ E as pessoas
vão começar a te ver na mesma luz.” Diz, “A maioria dos homens adultos não
podem ‘se passar’ por mulheres. Mesmo se a maioria de nós pudermos pagar a
cirurgia de ressignificação de sexo e sobreviver, nós não iríamos arrebatar o
mundo com beleza radiante.” A autoginofilia desse travesti é clara em sua
admiração de si mesmo no espelho. Ele obtém uma boa satisfação ao olhar seu
“magnífico par de pernas” e destaca “Embelezado com um par de saltos altos
sexy, você vai glorificar o Divino criador de tudo o que é lindo.” Para ter
pernas “modeladas e femininas” ele as depila deixando-as “suaves e limpas”. Em
alguns websites homens trocam suas dicas de beleza com prazer, já que para eles
essas práticas geram excitação sexual. No website “Fórum Transgênero” um homem
escreve, “Eu reaplico o batom constantemente durante o dia”, e “Demoro mais ou
menos 10 minutos para aplicar toda a minha maquiagem” e “Eu também descobri que
aplicar maquiagem líquida em minhas pernas e braços quando uso vestido ajuda a
esconder imperfeições” (Transgender Forum, 2002). Ele diz “Eu uso esmalte
vermelho nas unhas dos pés porque acho muito sexy.”
A maioria dos
travestis/transsexuais que acessam esses websites são heterossexuais e procuram
permanecer com suas esposas e se denominarem lésbicas. As esposas nem sempre
ficam felizes quando seus maridos embarcam na feminilidade como fantasia sexual
e os websites falam disso. Um novo termo para travestis que procuram permanecer
com suas esposas é t-girls
(meninas-t). No site de Renee Reyes ele fornece um “guia de sobrevivência para
meninas-t” – isto é, como manter esposas e fazer com que aceitem a prática do
crossdressing (Reyes, 2002). Ele diz que “as meninas-t mais felizes e
equilibradas que conheci ao longo dos anos eram casadas com mulheres geneticamente”
em casamentos “tradicionais”. Ele oferece uma lista dos benefícios para
mulheres de ter um “homem transgênero” como parceiro para ganhar a complacência
das esposas. Um dos “benefícios mais convincentes” é que as meninas-t “apreciam
a beleza interior da feminilidade – muitas vezes ainda melhor do que suas
parceiras mulheres”. Existe um fundo de verdade nisso. Muitas mulheres não veem
beleza interior nas extremas práticas da feminilidade na qual esses homens se
envolvem. Elas podem ver os saltos muito altos, as saias curtas e a maquiagem
como degradantes e uma perda de tempo. Travestis/transsexuais estão envolvidos
com a ideia antiquada, desconfortável e degradante ideia de feminilidade que
muitas mulheres rejeitam no presente. Eles representam um arquivo de práticas
obscuras e estão propensos, infelizmente, a sustentar uma feminilidade
fossilizada no futuro porque é o que os excita.
A ideia de Reyes sobre
feminilidade é que ela significa uma obsessão trivial com compras e novos
vestidos, uma visão dos anos 50. Dessa forma, “pequenos bônus” são maridos
travestis/transsexuais que irão passar o tempo fazendo compras com suas esposas
e “a esposa ganha um novo vestido – cada vez que ‘ela’ compra um”. Esposas são
aconselhadas a “se envolverem” na “brincadeira” com maridos
travestis/transsexuais na qual o casal viaja entre estados para um lugar onde
travestis se encontram para se vestirem com privacidade. Alternativamente a
esposa pode mandar o marido para fazer crossdressing enquanto fica em casa. Esposas
devem se entregar ao crossdressing dos maridos, como é dito a elas, porque
esses homens não escolhem seu comportamento e não podem se controlar, então
quer a esposa goste quer não “a natureza seguirá seu curso”. Mulheres devem se
envolver ou seus maridos farão “algo estúpido que vai resultar em vergonha para
a unidade familiar” ou “voltar para casa com uma doença venérea fatal” ou
“desenvolver um novo relacionamento amoroso com alguém que aceite o
transgenerismo”. Todas essas ameaças são feitas para ganhar a cooperação
forçada de esposas. É dito as esposas que seus maridos seguirão em frente de
qualquer forma e irão envergonhar, infectar ou deixá-las se não forem
coniventes.
A internet criou uma nova
classe de transsexuais. Eles creditam a rede por inspirar seu desejo pela
transição. Donald (Deirdre) McCloskey é um conservador professor americano de
economia. Ele se vê como um homem heterossexual crossdresser e tem “se vestido”
desde os 11 anos. Ele era casado, com dois filhos (McCloskey, 1999). Quando
tinha 53 anos ele encontrou os recursos disponíveis sobre
travestis/transsexuais na internet e decidiu que era na verdade uma mulher:
“Aqui era uma biblioteca especialmente criada para a excitação sexual de
crossdressers, e excitado ele estava” (1999, p. 20). Ele explica dessa forma:
“Parece haver dois padrões: ou você sempre soube que tinha o gênero errado ou
você construiu uma barragem psicológica contra a compreensão, que de repente
rompe, geralmente na idade adulta” (p. 79). Donald considera que tinha tal
barragem. Ele não está preparado para ver a si mesmo como simplesmente fazendo
uma escolha. Sua esposa não podia cooperar então ele disse a ela que ela era
“uma falha como esposa” e não “sabia o que o amor significa”, enquanto era
confortado por suas “unhas pintadas de vermelho” (p. 61). Ele já tinha atingido
o auge das realizações como professor e sua decisão de se identificar como
“mulher” não danificou sua carreira, ele foi simplesmente redefinido como
mulher e estava apto a ganhar pontos de oportunidade extra em sua universidade
pois havia poucas mulheres professoras em economia. Para homens como McCloskey,
submeter-se a cirurgia transsexual é um privilégio de sua classe e status de
gênero. Muitos homens que transicionam atingiram prosperidade e segurança
através do privilégio masculino e queriam algo um pouco diferente.
Os travestis/transsexuais
heterossexuais podem ser pilares do poder. Um artigo de jornal sobre o studio
de transformação “Escola de Meninas da Rebecca” nos diz que os clientes são majoritariamente
do grupo de lobby Transgender Education Association (TGEA), que representa os
interesses de crossdressers, drag queens e transsexuais antes e depois da
operação (Vitzhum, 1999). Na festa de halloween do TGEA no Studio, um terço dos
homens sentou ao lado de suas esposas e namoradas. Eles eram considerados como
um “grupo conservador”. “Debbie”, por exemplo, é um coronel aposentado. Muitos
desses homens conhecidos parecem ter interesse na feminilidade como um hobby na
aposentadoria. Alguns dos homens estavam na força policial. O status desses
homens na estrutura de poder e dominância masculina pode explicar o motivo pelo
qual sua visão de feminilidade é tão conservadora. Também pode explicar o
porquê de eles terem o poder e influência marcantes que o lobby transgênero
conseguiu em países ocidentais. Eles têm influência para mudar leis e proteger
seu hobby, e sistemas legais de muitos países agora incorporaram a proteção aos
direitos dos transgêneros – isto é, de ser aceitos como mulheres e não discriminados.
De fato um dos grupos de lobby transgêneros nos Estados Unidos, GenderPAC, que
dá conferências sobre “gênero” todo ano, afirma como missão “GenderPAC acredita
que o gênero deve ser protegido como um direito civil básico” (GenderPAC, n.
d.). Isso é um grande problema para feministas que desejam eliminar o gênero ao
invés de protegê-lo.
TRANSFEMINILIDADE COMO
MASOQUISMO
A internet tem facilitado
muito a busca por esse hobby. Alguns homens, ao que parece, agora se tornaram
transsexuais porque descobriram o quão excitante é fingir ser mulher em salas
de bate-papo de sexo. Dessa forma, Peter diz que “Como muitos transsexuais
atualmente”, teve uma “experiência de conversão no cyperespaço”. Ele começou a
fazer sexo virtual como Trina ou Gina, e descobriu que “a proporção
homem-mulher era favorável, e ser procurada por homens era tão emocionante como
Peter tinha sonhado. Em 1996, ele começou a usar a internet para pesquisar
hormônios e cirurgia de ressignificação de sexo” (Vitzhum, 1999). Peter se diz
“lésbica”. Ele é bem aberto sobre o fato de que ser uma mulher significa
masoquismo para ele, e diz:
Nós nem falamos sobre
masoquismo. Eu acho, sexualmente, que existe um desejo de ser punido, e parte
daquilo é a ilusão do que as mulheres são. Que elas estão lá pare ser objetos
sexuais e para ser objetos de punição. Isso tudo meio que caminha junto...
Existe um aspecto de degradação nisso, em abrir mão do controle. Parte de toda
a experiência transsexual é viver aquela fantasia de abrir as pernas e ser
fodida.
(Vitzhum, 1999)
O autor crossdresser Charles
Anders observa:
Pode ser politicamente
incorreto, mas estou supondo que muitos caras associam usar enchimentos e meia
calça com um papel passivo, receptivo no sexo(...) Para alguns caras, se tornar
feminino pode ser parte de uma fantasia de submissão, na qual outra pessoa os
amarra e espanca, ou os veste como uma empregada francesa chamada Fifi e os faz
servir cannolis de joelhos.
(Anders, 2002, p. 10)
A pornografia transgênera
sugere fortemente que a excitação de travestis/transsexuais é o masoquismo. O
site Transgender.Magazines.co.uk vende 17 revistas, das quais 11 contêm temas
masoquistas claros, a julgar pelas descrições. Os títulos incluem “Feminização
Forçada”, “Travesti Empregada Servente”, “Loja de Sexo Forçado”, “Travesti
Humilhada”, “Travesti Escrava Sexual”, “Travestis Escravizadas” (Revistas
Transgêneras, 2002). Um tema constante na pornografia transgênera é de homens
tendo maquiagem e roupas femininas colocados neles a força. Os editores de Best Transgender Erotica (Blank e
Kaldera, 2002) dizem que eles procuram especificamente por algo diferente para
colocar em sua publicação que não é apenas sobre homens sendo forçados a
colocar roupas “femininas” e maquiagem por outros: “Em nossa chamada por
inscrições, nós desencorajamos ativamente escritores de inscrever quaisquer
exemplares de histórias tradicionais de feminização forçada (...) Mãe feminiza
filho a força, Tia feminiza sobrinho a força... e por aí vai” (p. 10).
O masoquismo que está na
raiz do crossdressing é claro nos vários sites de fetiche com batom também,
porque na cosmologia do fetichismo dos homens, o batom é associado ao
sadomasoquismo. Batom é uma importante parte do arsenal das dominatrixes da
indústria do sexo que atendem esse aspecto da sexualidade masculina. Mas, mais
importante ainda, uma parte crucial desse sadomasoquismo com batom é que os
clientes homens são forçados a usar batom e isso simboliza sua humilhação e
submissão. Um site chamado “Bomis: The Lipstick Fetish Ring” (Bomis: O Ringue
do Fetiche com Batom) tem links que levam a sites tais como “O Lounge de Amantes
dos Lábios e do Batom, Fórum de Fetiche de Buster, Batom dos Anjos/Site de
Fetiche com Calcinhas, Boquetes de Batom, Sexo de Batom e Maquiagem, Granadas
Pintadas, shots em Adolescentes
(Imagens de meninas adolescentes de maquiagem)” e muitos outros (Bomis: The
Lipstick Fetish Ring, 2004). A “Livraria Batom e Couro” (associada a
Amazon.com) reproduz o som de um chicote estalando quando se entra no site e
toda vez que escolhe um item (Lipstick and Leather Books, 2002). Esse site
fornece fotos de um grande número de dominatrixes, que usam uma boa quantidade
de batom e o aplicam. Cada “amante” tem um website a ser visitado e listas de
material sadomasoquista para leitura que se conecta a Amazon. Em uma página
está a instrução “para outro beijo do chicote por favor clique nos lábios com
batom”. Os clientes homens claramente exigem riqueza de detalhes sobre batom já
que cada amante identifica seu batom favorito e mostra nos lábios.
No mesmo site está uma
página chamada “Amores de Batom da Deusa Tika” (Goddess Tika Lipsticked Luvs,
2002). Tika é uma dominatrix. O site contém histórias criadas para estimular a
ejaculação nos clientes homens e dá uma boa indicação do que os clientes
submissos buscam em uma amante quando visitam bordéis. As histórias têm
basicamente dois ingredientes. A dominatrix faz o homem submisso babar enquanto
ela aplica o batom, ou ele é forçado por uma mulher a passar batom em si mesmo,
ou a se submeter a ter batom passado em sua boca. Esse é o momento de máxima
humilhação e, presumivelmente, ejaculação. Em um conto chamado “O ‘poder do
lábio’ de uma Deusa!”, a dominatrix escreve, “Eu sou uma ‘Deusa Cruel’, torturo
meus escravos com meus lábios”, e “Eu às vezes passo meu batom na frente dos
meus escravos enquanto eles assistem. Eu os ordeno a assistir meus lábios de
Deusa e imaginar que são ‘Homens o suficiente’ para tocar tais lábios cheios e
macios.” Em um conto chamado “O Golpe da Maquiagem” um homem submisso descreve
seus sentimentos ao ser maquiado como mulher: “Você continua a delinear minha
boca com força. Eu sabia que agora estava em um vermelho vivo. Meu pau começou
a pulsar (...) Ondas de emoção subiram e desceram pelo meu pescoço e cabeça (...) indo e voltando entre admiração e terror” (Goddess Tika’s Lipsticked Luvs,
2002). Ele então é ameaçado com a aplicação de blush e rímel e diz “Eu estava
tão humilhado por querer tanto tudo isso que poderia sofrer até o ponto de
respirar com dificuldade”, e então ele tem mais ondas de emoção. Ele termina
“usando mais maquiagem do que a vendedora”! Em outro conto na seção “4 contos
de submissão” um narrador homem escreve que a amante “começa a provocar meus
lábios com sua caixa de batom (...) Eu quase não consigo me controlar”. Essa
página contém um teste de personalidade do batom no qual homens podem olhar
oito diagramas do formato no qual os batons ficam danificados depois que eles
usam, e descobrir qual personalidade se encaixa em seu perfil. É difícil
imaginar mulheres que usam batom porque é obrigatório em seu ambiente de
trabalho, ou pelo hábito enraizado desde a infância, tão encantadas com
detalhes, mas os fetichistas do batom não são mulheres. O papel da mulher é dar
prazer ao fetichista homem ao usar o fetiche ou aplicá-lo em clientes homens em
bordéis. O fato de que o uso de batom é deliciosamente “humilhante” para homens
torna claro que o batom representa, para eles, o status inferior de mulheres. O
batom não eleva o status da mulher, ao menos que estejam na indústria do sexo
como dominantes, mas simboliza a subordinação.
Para homens conservadores
que querem obter as excitações sexuais do masoquismo pode parecer impossível
permanecer “homens” porque eles associam a masculinidade com a dominância. Mas
mulheres e lésbicas não baseiam sua autodefinição no masoquismo sexual. Isso
não é o centro da compreensão de nós mesmas como é para autoginófilos como
Peter do TGEA. Há uma arrogância na pressuposição da parte de tais homens que
seu interesse sexual na subordinação os torna mulheres, e concomitantemente
fazer campanha para reformar a legislação de discriminação sexual para que seu
entendimento peculiar de si mesmos como mulheres seja protegido pela lei como
feminilidade.