DIFERENÇA/DEFERÊNCIA
SEXUAL
A cultura ocidental é fundamentada na noção da
diferença sexual: a ideia de que existe uma diferença essencial entre homens e
mulheres, expressa nos comportamentos de masculinidade e feminilidade e suas
práticas concomitantes. Isso é tão dominante e onipresente, deixando pouco
espaço para alternativas, que a ideia de que mulheres podem positivamente
“escolher” as práticas que expressam essa diferença faz pouco sentido. A
cultura ocidental, como quaisquer outras culturas de dominância masculina,
exige que a “diferença” seja publicamente demonstrada. Por esse motivo a
diferença é considerada como verdade. Esse é o mito mais persistente e difícil
de desafiar. A prática dos diferentes comportamentos masculino e feminino por
homens e mulheres é baseada na ideia de que existe algo como “diferença
sexual”. Teóricas feministas francesas como Monique Wittig (1996) e Colette
Guillaumin (1996) argumentam fortemente que essa diferença é política e representa a base
da dominação masculina. Diferença sexual é geralmente explicada pela biologia
como se existissem claramente dois sexos biologicamente distintos que exibem diferenças
biologicamente criadas de comportamento e aparência. Teóricas feministas de
várias disciplinas apontaram a esmagadora força com a qual, nos últimos 30
anos, os “papéis sexuais”, agora mais usualmente chamados “gênero”, são
culturalmente construídos e essa análise social construcionista mais
recentemente foi estendida à ideia do sexo biológico em si (Delphy, 1993). O
fenômeno da intersexualidade, no qual características sexuais secundárias,
hormônios e/ou estrutura genética pode incorporar elementos de ambos os
supostamente distintos sexos biológicos, fortaleceu a ideia de que a noção de
dois sexos é política. A ideia de dois sexos resulta da necessidade de uma
cultura de dominância masculina ser capaz de identificar membros da classe
dominante de homens e da subordinada classe de mulheres ao colocar bebês em uma
das duas categorias ao nascer. Os gêneros da dominância masculina e da
subordinação feminina são então impostos sobre os que ocupam a categoria
apropriada.
A “diferença” entre homens e mulheres é criada em e
pela cultura mas é considerada natural e biológica. A grande dificuldade que
tantas mulheres e homens têm em enxergar feminilidade e masculinidade como
socialmente construídas ao invés de naturais, atesta a força e a potência da cultura.
A teórica feminista francesa Colette Guillaumin explica a dificuldade com essa
ideia cultural de que mulheres são “diferentes” (Guillaumin, 1996). Se mulheres
são “diferentes” então deve ter algo do qual elas se diferem. Acontece que esse
algo são “homens” que não têm outro algo do qual se diferem, eles apenas são. Apenas mulheres são entendidas como
diferentes, “Homens não diferem de nada... Nós somos diferentes – é uma
característica fundamental...Nós conseguimos a proeza gramatical e lógica de
ser diferentes sozinhas. Nossa natureza é a diferença” (Guillaumin, 1996, p.
95). Mulheres são, de fato, entendidas como “diferentes” dos homens de várias
formas, “delicadas, bonitas, intuitivas, irracionais, maternais, de corpos não
musculares, a quem falta um caráter estabelecido”, como Guillaumin coloca
(1996, p. 95). Mas o mais importante é que mulheres são entendidas como
diferentes dos homens por ser tanto potencialmente “lindas” quanto por ser
interessadas em beleza e entusiastas de dedicar enormes quantidades de tempo,
dinheiro dor e estresse emocional para ser “lindas”. Isso é assumido na cultura
ocidental como “natural” das mulheres e o mais universal símbolo da diferença
das mulheres em relação aos homens.
A ideia da diferença sexual biológica é o maior obstáculo
ao reconhecimento de que homens e mulheres na verdade existem em relação um ao
outro em posições de dominância e subordinação. Como outra feminista francesa,
Monique Wittig, coloca, “A ideologia da diferença sexual funciona como censura
em nossa cultura mascarando, com base na natureza, a oposição social entre
homens e mulheres” (Wittig, 1996, p. 24). A diferença sexual é criada por um sistema de dominação como em qualquer
sistema de dominância masculina. “Os mestres explicam e justificam as divisões
estabelecidas como resultado de diferenças naturais” (p. 24). Wittig argumenta
que os conceitos “homem” e “mulher” são categorias políticas e seriam abolidos
em uma luta de classes entre homens e mulheres se as mulheres tivessem
sucesso. Mas mulheres não se envolvem nessa luta de classes. Elas não
reconhecem que são dominadas porque as “oposições (diferenças) parecem como
dadas, como se já estivessem lá, antes de qualquer pensamento” (1996, p. 25).
Wittig cita Marx e Engels quando afirma que a classe dominante de “qualquer
época” é “ao mesmo tempo a força intelectual
dominante” e as ideias de qualquer tempo são as ideias dessa classe dominante
(1996, p. 26) É a dominância da classe política de “homens”, de acordo com
Wittig, que ensina às mulheres que “existe, antes de qualquer pensamento,
qualquer sociedade, ‘sexos’ (duas categorias dentro das quais indivíduos
nascem) com uma diferença constitutiva”, que é tanto metafísica quanto
“natural” e adotada no pensamento marxista na forma da divisão sexual do
trabalho. Essa ideia “esconde o fato
político da subjugação de um sexo pelo outro” (Wittig, 1996, p. 26).
A categoria sexual na qual humanos são colocados é a
base da heterossexualidade compulsória (Rich, 1993) e “funda a sociedade como
heterossexual” (Wittig, 1996, p. 27):
A categoria do sexo é a que dita como “natural” a relação que está na base da (heterossexual) sociedade e através da qual metade da população, mulheres, é “heterossexualizada” (a concepção de mulheres é como a concepção de eunucos, a marcação de escravos, de animais) e submetida a uma economia heterossexual.(1996, p. 27)
O propósito dessa heterossexualidade compulsória é
permitir que homens “se apropriem da reprodução e produção de mulheres, bem como
suas pessoas físicas por meio de um contrato chamado contrato de casamento” (p.
27).
A análise de Wittig das exigências de “categoria
sexual” para mulheres é útil para entender as práticas de beleza. Ela explica
que mulheres são transformadas em sexo.
A categoria sexual é o produto da sociedade heterossexual que transforma metade da população em seres sexuais. Não importa aonde estejam ou o que façam (incluindo trabalhos no setor público), elas são vistas como (e convertidas em) sexualmente disponíveis para homens, e seus seios, nádegas, trajes, devem ser visíveis. Elas devem vestir sua estrela amarela, seu sorriso constante, dia e noite.(Wittig, 1996, p. 28)
Wittig sugere que nós vemos essa disponibilidade
forçada a todas as mulheres, casadas ou não, como “um período de serviço sexual
forçado, um serviço sexual que podemos comparar ao militar, e que pode variar
entre um dia, um ano ou vinte e cinco anos ou mais”. São as práticas de beleza
que marcam mulheres como as que preenchem os requerimentos de sua “corvéia” sexual; isto é, o trabalho que os camponeses devem
exercer para os donos das terras sem pagamento. As práticas de beleza dão
prazer aos homens, permitem sua excitação sexual, no escritório, na rua, no
cinema, no quarto. Homens não habitam a categoria sexual que as mulheres
habitam. Homens são muito mais do que sexo, “a categoria sexual... está ligada
a mulheres, por isso elas não podem ser percebidas fora dela. Apenas elas são sexo, o sexo, e é em sexo que são transformadas em suas mentes, corpos,
ações, gestos” (Wittig, 1996, p. 28).
A ideia de que mulheres são sexo foi bem descrita no
trabalho de cientistas homens, os sexólogos do século XX que exerceram
importante papel em dar a “categoria de sexo” para mulheres uma base oficial na
ciência e na medicina. O importante sexólogo Iwan Bloch, cita em The Sexual Life of Our Time – A vida
sexual de nosso tempo (1909) um autor o qual, ele diz, “caracterizou bem a
esfera sexual estendida da mulher”
Mulheres são de fato puro sexo dos joelhos ao pescoço. Nós homens concentramos nossos aparatos em um único espaço, nós extraímos isso, separadamente do resto do corpo, porque vem pronto. Elas são uma superfície ou alvo sexual; nós temos apenas uma flecha sexual.(citado em Jeffreys, 1985, p. 138)
A criação da diferença sexual através das práticas de
beleza é essencial para dar aos homens a satisfação sexual que eles ganham
conforme realizam as tarefas de seu dia
quando reconhecem “mulher” e sentem seus pênis se encherem de sangue. Isso
pode soar como um exagero da forma de pensar e se comportar dos homens mas
alguns estão preparados para expressar isto claramente. J. C. Flugel em seu Psychology of Clothes – Psicologia das Roupas (1930/1950)
apresenta ousadamente a razão pela qual se exige que mulheres se vistam de
forma diferente dos homens:
A grande maioria do nós sem dúvida irá... admitir francamente que... não podemos encarar a expectativa de abolir o presente sistema de constante estimulação – um sistema que garante que sejamos alertados mesmo à distância sobre o sexo de um ser que se aproxima, para que não precisemos perder a oportunidade de experienciar em qualquer grau os incipientes estágios de resposta sexual.Parece não haver escapatória da visão de que o propósito fundamental de adotar uma vestimenta distinta para os dois sexos é para estimular o instinto sexual.(p. 201)
Emmanuel Reynaud, autor de Holy Virility – Santa Virilidade, oferece uma explicação sobre a
diferença na vestimenta que apoia a ideia de que ela serve à satisfação sexual
masculina, “Ela deve mostrar as pernas e tornar sua vagina acessível, enquanto
um homem não tem que revelar suas panturrilhas para oferecer fácil acesso a seu
pênis” (Reynaud, 1983, p; 402).
Práticas de beleza mostram que mulheres são
obedientes, dispostas a fazer seu serviço, e se esforçar nesse serviço. Elas
mostram, eu afirmo, que mulheres não são simplesmente “diferentes” mas, mais
importante, “deferentes”. A diferença que a mulher deve incorporar é a
deferência. A maneira pela qual é exigido que se manifeste diferença/deferência
sexual pode variar consideravelmente entre sociedades dominadas por homens, mas
não existe evidência de que existam quaisquer sociedades nas quais a
diferença/deferência sexual seja irrelevante ou a ordem social da dominância
masculina esteja fundada em outra coisa que não essa diferença. Como a
dominância masculina teria existência sem um claro sinal de diferença que
define quem é a classe dominante e quem não? Em sociedades ocidentais isso é
expressado na exigência que mulheres criem “beleza” através de roupas que devem
mostrar grandes áreas de seus corpos para a excitação masculina, através de
saias (apesar de esta não ter sido uma regra tão universal como era há 20
anos), através de roupas apertadas, através de maquiagem, penteados, depilação,
exibição de características sexuais secundárias ou sua criação por cirurgia e
através da linguagem corporal “feminina”. Mulheres devem praticar feminilidade
para criar a diferença/deferência sexual. Mas a diferença é de poder, e a
feminilidade é o comportamento exigido da classe subordinada de mulheres para
mostrar sua deferência à classe dominante de homens.
FEMINILIDADE
COMO O COMPORTAMENTO DE SUBORDINAÇÃO
As práticas de beleza nas quais mulheres se envolvem,
que homens acham tão excitantes, são as de subordinadas políticas. O romance
sadomasoquista da dominância masculina, no qual sexo é construído pela
dominância masculina e subordinação feminina (Jeffreys, 1990), requer que
alguém faça o papel de menina. A teórica feminista de sexualidade e violência
sexual, Catharine MacKinnon, argumenta que os “gêneros” da dominância
masculina, masculinidade e feminilidade precisam ser constantemente recriados
para servir a sexualidade da dominância masculina; isto é, diferença de poder
erotizada (MacKinnon, 1989). Essa compreensão ajuda a explicar a existência e
persistência da feminilidade. A sexualidade da dominância masculina requer
“fems” (uma parte “feminina”) e mulheres são treinadas e pressionadas a
facilitas a excitação masculina.
Teóricas feministas mostraram que o que é entendido
como comportamento “feminino” não é simplesmente construído socialmente, mas politicamente construído, como o comportamento
do grupo social subordinado. O trabalho de Nancy Henley sobre a política do
corpo é um clássico exemplo dessa abordagem (Henley, 1977). Ela mostra
claramente que as formas nas quais os seres humanos são treinados e que se
espera que usem seus corpos derivam de seus lugares na hierarquia do poder. Os
poderosos expressam seu privilégio de certas formas que são proibidas aos
subordinados. Henley mostra que não são apenas homens que reproduzem
comportamentos de poder, mas também seres humanos envolvidos em outras formas de
hierarquia além de gênero, como empregadores e empregados. Os poderosos ocupam
maior espaço. Não apenas empregadores têm escritórios maiores como homens terão
mais espaço que mulheres em suas casas e no mundo que é só deles. Eles ocupam
mais espaço com seus corpos. Assim, homens podem se alongar em um banco de
ônibus ou no sofá. Das mulheres é esperado que mantenham suas pernas e braços
grudados em seus corpos e que caibam no espaço que sobrou. Similarmente
entrevistados não podem se estatelar enquanto estiverem na posição subordinada
em uma entrevista de emprego, enquanto os entrevistadores podem. Homens, Henley
mostra, abordam mulheres de uma distância menor do que abordariam homens porque
às mulheres é permitido menos espaço ao redor de seus corpos.
O toque é outra área na qual os poderosos são
privilegiados. Eles podem fazer contato físico enquanto os subordinados não
podem. Dessa forma, empregadores podem tocar em estagiários mas o comportamento
inverso seria um atrevimento. Homens podem e tocam mulheres mas se mulheres
tocam em homens isso pode ser interpretado como uma abordagem sexual e esse é
um comportamento perigoso. Contato visual também é uma forma de expressar
poder. Homens podem encarar mulheres e mulheres não devem encarar de volta e
sim educadamente abaixar o olhar. Mas homens podem não conseguir encarar outros
homens sem provocar um agressivo “tá olhando o quê?” em resposta. Esses
comportamentos são aprendidos tanto por instruções diretas, como mães dizendo a
suas filhas para fechas as pernas, quanto por interação social. Mas é provável
que na fase adulta eles sejam vistos por quem os pratica como “naturais”. O
processo de aprendizagem é esquecido. Os comportamentos de espaço, toque e
contato visual exigidos dos subordinados são então entendidos como os
comportamentos “naturais” da feminilidade. É sobre a base formada por esses
comportamentos que as práticas de beleza são inseridas, e que saltos altos
podem ser algo natural para mulheres porém ridículo em homens.
A psicóloga feminista Dee Graham contribuiu
significativamente para o entendimento da feminilidade como o comportamento dos
subordinados com seu conceito de “síndrome de Estocolmo social” (Graham, 1994).
Em Loving to Survive – Amando para
Sobreviver ela faz uma analogia entre feminilidade e o comportamento de reféns
em situações de sequestro e ameaça que foi chamado síndrome de Estocolmo. Ela
explica que a ideia da síndrome de Estocolmo vem de uma situação com reféns em
Estocolmo na qual ficou claro que os reféns, ao invés de reagir com rebeldia
contra seus opressores, podiam se conectar com eles. Essa ligação, na qual
reféns podem identificar os interesses dos sequestradores como seus próprios,
vem da real ameaça a sua sobrevivência que os sequestradores representam. Graham
estende esse conceito para cobrir o comportamento das mulheres, feminilidade,
como uma reação à vida em uma sociedade de violência masculina na qual elas
estão em perigo. Feminilidade representa síndrome de Estocolmo social, “Se um
(inescapável) grupo ameaça outro grupo com violência mas também – como grupo –
mostra alguma gentileza ao grupo vitimizado, um apego entre os grupos se desenvolverá. Isso é o que nos referimos como Síndrome de Estocolmo Social (ou Cultural)”
(Graham, 1994, p. 57).
Graham afirma inequivocamente que, “masculinidade e
feminilidade são códigos para dominação masculina e subordinação feminina”
(1994, p. 192). Ela diz que mulheres, como reféns, têm medo, e “usamos qualquer
informação disponível para alterar nosso comportamento de modo a tornar a
interação com homens mais suave” (p. 160). Uma das coisas que as mulheres fazem
é mudar seus corpos para ganhar os homens. Ela lista as práticas de beleza
danosas que são consideradas neste livro, como maquiagem, cirurgia cosmética,
depilação, sapatos de salto alto e roupas restritivas como exemplos. Ela diz
que essas práticas refletem:
(1) A extensão na qual mulheres buscam se tornar aceitáveis para homens, (2) a extensão na qual mulheres buscam se conectar com homens, e dessa forma (3) a extensão na qual mulheres sentem a necessidade de atenção e aprovação masculina e (4) a extensão na qual mulheres se sentem indignas da afeição e aprovação dos homens assim como somos.(Graham, 1994, p. 162)
Graham
também argumenta que, “feminilidade é um plano para se dar bem com um inimigo
tentando ganhar o inimigo” (1994, p. 187). O termo “feminilidade”, “se refere a
traços de personalidade associados a subordinados e a traços de personalidades
de indivíduos que adotaram comportamentos que agradem os dominantes” (p.
187) e “tais comportamentos que a
cultura masculina classifica como ‘femininos’ são comportamentos que se
esperaria caracterizar qualquer grupo oprimido” (p. 189). Esses comportamentos
dos menos poderosos são necessariamente tentativas indiretas de influenciar os
poderosos, “como o uso de inteligência, prudência, intuição, habilidade
interpessoal, charme, sexualidade, ilusão e evitação”; isto é, comportamentos,
exceto talvez inteligência, provavelmente identificáveis como essencialmente
femininos.
Graham
oferece uma explicação sobre motivo pelo qual muitas mulheres acreditam que sua “feminilidade”
é biológica e inerente e por que “nós acreditamos que escolheríamos usar
maquiagem, enrolar nossos cabelos e usar saltos altos se homens não achassem
mulheres que fazem isso muito mais atraentes” (1994, p. 197). Mulheres
acreditam nisso, ela diz, porque “acreditar em outra coisa” demandaria reconhecer
que nosso comportamento é controlado por “variáveis externas”; isto é, o uso da
força masculina e sua ameaça. Reconhecer isso significaria que as mulheres
teriam que “reconhecer nosso terror” (p. 197). Ela diz que “É assustador para
mulheres imaginar não ser femininas”. E conclui examinando que o que assusta a
respeito de desistir da feminilidade pode levar à decisão de desistir dela.
Construcionistas
sociais feministas como Henley e Graham entendem a tarefa do feminismo na
destruição e eliminação do que temos chamado “papéis sexuais” ou “diferença
sexual” e agora é mais comumente denominado “gênero”. Quando masculinidade e
feminilidade são entendidas como os comportamentos de dominância e subordinação
não faz muito sentido esperar que quaisquer aspectos desses comportamentos
sobrevivam à destruição da dominância masculina. Christine Delphy explica que o
conceito de androginia como uma maneira de lidar com a diferença de gênero –
que é, tanto homens quanto mulheres poderiam combinar os comportamentos que são
hoje tão rigidamente descritos como pertencentes a um ou outro – não é
realizável. (Delphy, 1993). Os comportamentos de dominação e subordinação não sobreviveriam
a um futuro igualitário para ser combinados de nenhuma forma. Pode haver
aspectos de tais comportamentos que não estão associados com diferença de poder
e que poderiam ser mais igualmente compartilhados, como o comportamento
carinhoso, mas todos os comportamentos de deferência e privilégio seriam
inimagináveis.
Eu
procurei mostrar o poder da expectativa cultural de que mulheres devem
demonstrar feminilidade se envolvendo em práticas de beleza. As forças que
exigem esse comportamento incluem uma falta de possibilidades de alternativas,
a crença de que a feminilidade e suas práticas são naturais e inevitáveis,
educação infantil, bullying na escola, exigências no trabalho, necessidade de
aperfeiçoar o corpo odiado incutida pela cultura de dominância masculina e o
medo de retaliação masculina. Como Karen Callaghan explica em sua introdução à
coleção Ideals of Feminine Beauty –
Ideais de Beleza Feminina (1994), o controle social no ocidente contemporâneo
não é usualmente imposto aos indivíduos por força bruta mas alcançado através
de “manipulação simbólica” que pode incluir coisas como propaganda e revistas
femininas e “cria a ilusão de liberdade e escolha” (Callaghan, 1994, p. x.). O
fato de que algumas mulheres dizem que sentem prazer com as práticas não é
inconsistente com seu papel na subordinação aos homens. Isso poderia talvez ser
visto como a capacidade de algumas mulheres de tirar uma virtude de uma
necessidade. No próximo capítulo eu argumento que as práticas de beleza
ocidentais precisam ser incluídas na definição das Nações Unidas como práticas
culturais danosas. Esse conceito é um antídoto útil para o debate da agência versus subordinação que abordei aqui
porque é fundado numa compreensão do poder e da imposição cultural de práticas
que prejudicam mulheres e crianças. Para práticas que são identificadas como
danosas, “escolha” não é defesa.