quarta-feira, 24 de agosto de 2016

[CAPÍTULO 2, Introdução] Beleza e Misoginia - Sheila Jeffreys (2005)

CAPÍTULO 2
 PRÁTICAS CULTURAIS DANOSAS E CULTURA OCIDENTAL

     Eu argumento que as práticas de beleza na cultura ocidental devem ser entendidas como práticas culturais danosas. Práticas de beleza ocidentais como maquiagem e cirurgia de implante nos seios envolvem diferentes níveis de dano a mulheres. Cirurgia cosmética que remove partes do corpo é mais obviamente similar a mutilação genital feminina do que a maquiagem, por exemplo. Esse capítulo argumenta, entretanto, que um contínuo de práticas de beleza ocidentais, do batom de um lado à cirurgia cosmética invasiva de outro, se encaixam no critério definido por práticas culturais danosas na compreensão das Nações Unidas, apesar de diferirem na extremidade de seus efeitos. O conceito de práticas culturais/tradicionais danosas foi originado pelas preocupações da ONU em identificar e eliminar formas de prejuízo a mulheres e crianças que não se encaixam facilmente na estrutura dos direitos humanos (ONU, 1995). Está ganhando reconhecimento na comunidade internacional de direitos humanos mas apenas no que se refere a práticas como mutilação genital feminina em culturas não ocidentais. Não há, entretanto, reconhecimento de práticas muito similares, como o corte de genitálias para encaixar pessoas em estereótipos de gênero no ocidente, como danosas. Na verdade é provável que a ideia de que o ocidente tem uma “cultura” que produz “práticas” possa parecer estranha. Práticas danosas no ocidente serão mais comumente justificadas como vindas da “escolha” consumista, da “ciência” e “medicina” ou “moda”; isto é, a lei do mercado. Cultura pode ser vista como algo reacionário que existe fora do ocidente. O ocidente tem a ciência e o mercado ao invés disso. Neste capítulo eu argumento que a cultura ocidental da dominância masculina produz sim práticas, incluindo práticas de beleza, que são prejudiciais a mulheres.
     Na última década uma particularmente brutal prática de beleza ocidental, a labioplastia, teve sua popularidade aumentada entre cirurgiões cosméticos. Uma pesquisa na Internet do termo “labioplastia” aciona 2,220 websites, a maioria de cirurgiões cosméticos dos EUA oferecendo o procedimento. Um cirurgião de labioplastia descreve a cirurgia como “um procedimento cirúrgico que irá reduzir e/ou remodelar os pequenos lábios” (LabiaplastySurgeon.com, 2002). Os websites listam a prática rotineiramente entre outras cirurgias oferecidas que cortam o corpo feminino para conformá-lo aos desejos masculinos. Também em países ocidentais, a prática da “redesignação de gênero”, na qual homens e mulheres são castrados, e seios, pênis, úteros são removidos ou construídos, é realizada, muitas vezes, pelos mesmos cirurgiões. Mas essas práticas não são entendidas como claramente danosas e evidência de uma cultura reacionária. A cirurgia de castração transsexual, por exemplo, é representada pela profissão médica que lucra com ela como sendo um tratamento para um distúrbio médico de “disforia de gênero”, ao invés de uma norma cultural segundo a qual os que não se encaixam em uma categoria sexual devem ser cirurgicamente transferidos para a outra (Rottnek, 1999).
     O conceito de práticas culturais danosas é útil para analisar tais práticas no ocidente bem como no não ocidente. Práticas culturais ou tradicionais danosas nos termos da ONU são identificadas como: prejudiciais à saúde de mulheres e meninas; surgidas de diferenças de poder material entre os sexos; em benefício de homens; criando masculinidade e feminilidade estereotipadas, prejudicando as oportunidades de mulheres e meninas; justificadas por tradição. Essa definição se encaixa bem nas práticas de beleza ocidentais como a cirurgia cosmética. O conceito permite que a cultura da dominância masculina na qual mulheres vivem seja colocado em foco e sujeito à crítica ao invés de tido como natural, inevitável ou até mesmo progressivo.

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