terça-feira, 16 de janeiro de 2018

[CAPÍTULO 4, PARTE 3] Beleza e Misoginia - Sheila Jeffreys (2005)

DEPILANDO AS GENITÁLIAS DAS MULHERES

As mulheres prostituídas na pornografia têm seus pelos pubianos removidos: “a vasta maioria das mulheres no pornô têm vulvas bem depiladas, ou perto disso” (Castleman, 2000). Isso aparentemente nem sempre foi a prática na pornografia. Nos anos 70 haviam “arbustos completos” e a partir dos anos 80 começou “uma tendência em direção à ausência de pelos” (Castleman, 2000). Existe pouca informação disponível sobre o porquê dessa mudança acontecer. Isso pode se dever a uma demanda crescente de compradores homens por poder ver as genitálias das mulheres em filmagens não danificadas por pelos. A loucura por clubes de dança nos anos 90 pode ser outra resposta a essa demanda, já que permite que compradores homens observem durante períodos consideráveis de tempo genitálias e ânus depilados de mulheres. Existem outras razões pelas quais homens podem ter dificuldades com pelos. Eles fazem com que mulheres pareçam crescidas. Muitos homens preferem que mulheres pareçam não ter entrado na puberdade. Homens são treinados pela pornografia para ver a falta de pelos em mulheres como “natural” e achar a presença deles em mulheres de mau gosto ou menos excitante.

Existem problemas associados com depilar as genitálias, apesar de ser esta a prática que as estrelas pornô empregam (Castleman, 2000).  A depilação com lâmina deve acontecer todos os dias para manter os pelos sob controle e isso causa feridas. A área depilada pode coçar muito e conforme o pelo cresce novamente, a mulher pode ficar com pelo encravado ou a genitália pode ficar dolorida. Estrelas pornô explicaram para Michael Castleman no website Salon.com como lidam com ter que estar depiladas. Elas se depilam com lâmina diariamente e “usam roupas e roupas íntimas largas” pois, “Uma vulva depilada se irrita mais facilmente que a coberta com uma fina camada de pelos pubianos” (Castleman, 2000). Uma estrela pornô diz que muitas mulheres na pornografia apresentam feridas e pelos encravados que são sinais de dano doloroso, mas as câmeras podem registrar isso de forma que as mulheres pareçam “mais macias do que realmente são” (Castleman, 2000). Rome disse a Castleman (2000) que desistiu de se depilar assim que saiu da pornografia e não teve mais que fazer isso: “Era parte de se preparar para o trabalho.”

Apesar de, como vimos, estrelas pornô terem que depilar as genitálias porque devem estar sem pelos todos os dias, é a prática da depilação brasileira que pegou entre mulheres fora da pornografia para proporcionar a ausência de pelos para seus homens. Depilação com cera não é útil para a ausência de pelos diária pois funciona apenas em pelos de certo tamanho, então as mulheres devem esperar até que os pelos cresçam novamente antes de refazer o procedimento. É uma extensão da depilação da área do biquíni; isto é, a depilação com cera da linha do biquíni que tornou-se necessária conforme a indústria da moda exigiu que as mulheres deveriam usar minúsculos pedaços de material para torná-las mais excitantes para os observadores homens. Os pequenos biquínis não cobriam a mulher o suficiente para esconder os pelos pubianos e era esperado que elas depilassem já que pelos visíveis em mulheres era considerado nojento. Duas forças trabalharam juntas, a exigência de que mulheres performassem seu papel sexual na praia e o medo e ódio culturais aos pelos femininos.

A prática da depilação brasileira supostamente foi originada com sete irmãs brasileiras em Nova Iorque que “foram pioneiras e aperfeiçoaram o método brasileiro nos EUA e têm uma longa (Gwyneth, Naomi) lista de clientes celebridades. De acordo com Jonice, ‘No Brasil, com biquínis tão pequenos, a depilação se tornou parte da cultura’” (Fashion Icon, 2002). A depilação brasileira remove todos os pelos da área púbica: “A depilação brasileira basicamente remove TUDO, deixando apenas uma pequenina faixa de pelos bem aparados na frente (referidos por alguns como ‘airstrip’, ‘depilação tanga’ ou ‘depilação Playboy’)” (Fashion Icon, 2002). Para algumas mulheres essa é apenas uma extensão da depilação biquíni: “Muitas mulheres pedem a depilação brasileira porque é uma depilação limpa e rente e dá liberdade de usar até a mais reveladora roupa de banho e lingerie” (iVillage, 2001). O procedimento é assim:
Uma tanga de papel deve ser fornecida, mas mais provavelmente você estará nua. Primeiro os pelos são aparados com tesoura para que a cera possa alcançar os folículos. Em seguida, usando uma espátula de madeira, uma profissional coloca cera morna na área, um pouco de cada vez [...] uma depilação brasileira tradicional inclui os lábios e a área entre os glúteos. Se ainda ficarem áreas com pelos após a depilação a profissional pode também depilar com pinça.(iVillage, 2001)
O website explica que dói: “Não espere um piquenique. Dói e não tem jeito! [...] Aquelas que precisam continuar de novo e de novo no mesmo lugar são as piores – e simplesmente prolongam a agonia [...] A tortura não dura para sempre. Uma depilação de biquíni brasileira [...] não deve demorar mais que meia hora.” (iVillage, 2001). O problema de pelos encravados ainda existe e sem dúvida seria excruciante na área genital mas, aparentemente, depiladoras brasileiras têm menos cerimônia para encontrar e retirar com pinça do que as depiladoras normais. Salões usam loção antisséptica após a depilação para tentar aliviar o desconforto.

A principal razão pela qual mulheres depilam suas genitálias com cera pode ser o desejo de agradar o tipo de parceiro que acha o visual da pornografia e da prostituição sexualmente excitante. Uma depiladora australiana de depilação brasileira explica em Cosmopolitan (McCouch, 2002) que quando ela se depilou pela primeira vez “doeu como o inferno” mas “A melhor parte foi quando meu namorado viu. Ele nunca tinha ficado com uma ‘careca’ total e disse ‘Meu deus, você está tão gostosa!’” Ela depilou sua irmã e o marido dela acabou com sua apreensão dizendo “Vamos lá, tente. Parece sexy” (McCouch, 2002, p. 92). Ela diz que as clientes podem ser perigosas ao lidar com a dor: “Algumas de minhas clientes podem ficar até perigosas. Uma se debate tão violentamente de dor que tenho medo de ela quebrar a mesa e derramar cera quente em nós duas” (McCouch, 2002, p. 94). Um painel inserido no artigo tem como título: “Sem dor, sem ganho. Os caras falam sobre como eles amam quando você se arruma ao extremo”. Essa mensagem é claramente sobre como a depilação com cera é para satisfação masculina. Nenhuma outra motivação é mencionada. Os “caras” expressam o quanto gostam que mulheres depilem suas genitálias. Rodney, um contador de 28 anos diz “Depilação brasileira é o equilíbrio entre vulgar e sexy, menina má e doce. [Significa] Que ela vai passar pela dor e esbanjar atenção consigo mesma lá embaixo, o que é muito legal – e o fato de isso ser meio por minha causa é bem excitante” (McCouch, 2002, p. 94). John, um chef de 24 anos diz “Mostra que ela realmente se importa – e acredite em mim, nós notamos!” Dan, 27, piloto, diz “A depilação brasileira me excita de tantas formas – ver mais do que geralmente vejo é incrivelmente estimulante. Além disso, sinto como se estivesse com uma menina um pouco safada.” Greg, 32, executivo de propaganda, diz: “Se uma mulher faz depilação brasileira, significa que ela gosta de cuidar de si mesma e tem um lado sexy.” Dessa forma, mulheres aprendem que a dor, a indignidade e a despesa (por volta de US$45 por sessão) da depilação brasileira podem melhorar suas chances de agradar um parceiro.

A exigência de alguns homens que a mulher esteja depilada é agora um tópico corriqueiro em propagandas de meu jornal local em Melbourne. Um anúncio de estúdio de depilação deixa claro que uma depilação brasileira é necessária para mulheres que querem ser aceitas sexualmente por homens: “Pessoas cujos estilos de vida progridem para além do missionário descobrem as vantagens de se cuidar melhor. Penteado íntimo? Talvez” (Ready for Brazilian Waxing?, 2014, p. 15). A foto que acompanha é de uma jovem fazendo beicinho com uma longa franja cobrindo metade de seu rosto. Por cima um pequeno escrito que diz “Nem todo mundo gosta de cabelo no rosto”. Esse é um exemplo de como a indústria da beleza foi “pornografizada”. Também mostra o tipo de chantagem usado para forçar mulheres a ir ao estúdio de depilação.

Depilação é um aspecto significativo do imaginação e prática pornográfica dos homens. Existem sites de discussão na web onde homens podem participar de conversas sobre suas parceiras e sobre si mesmos. Um homem escreve na seção “Depilação” do fórum Lovers’ Feedback: “Encontrei esse excelente link sobre genitais, imagens detalhadas de depilação e métodos, etc.” (Lloyd, 2002). Os homens na discussão têm exigências muito específicas sobre mulheres: “Eu amo quando as mulheres mantém suas xoxotas macias e limpas. Mas eu digo macias mesmo. Definitivamente não é legal quando ela fica com os pelos por fazer, sem depilar, arrancar com pinça ou passar a lâmina regularmente” (Lloyd, 2002). Outro diz “Eu gosto de fazer sexo oral na minha esposa, mas esses pelos sempre ficam no caminho [...] Agora eu a depilo de tempos em tempos” (Lloyd, 2002). A existência da depilação como gênero pornográfico para homens é notada pela instrução no site AskMen sobre como fazer com que a parceira se depile: “Tente encontrar um filme com uma cena de depilação, já que isso vai te dar uma melhor chance de fazer com que sua parceira fique careca e linda” (Strovny, 2002). Existe um bom exemplo da forma pela qual a pornografia pode ser usada por homens como manual de instruções para suas parceiras: ensiná-las o que é preciso para servir sexualmente a um homem. O autor sugere medidas mais coercitivas entretanto: “diga a ela brincando que você não fará sexo oral até que ela se depile para você [...] Se ela ainda assim não quiser fazer isso por você, troque de parceira sexual” (Strovny, 2002). Ele recomenda pegar a mulher de surpresa se ela não concordar: “Ela saber, ou melhor, não saber o que você está prestes a fazer com ela é algo a mais no já apimentado elemento da preliminar.” Mas ele diz que depilação é um trabalho árduo. Homens devem praticar nas pernas das mulheres primeiro para não danificar suas genitálias quando chegarem lá. Strovny recomenda que quando os homens perguntarem às mulheres se podem depilá-las eles devem “usar um tom de piada; isso dá um plano B se ela reagir de forma azeda”, ou “Outra forma bem direta de perguntar é pegar uma lâmina e creme de barbear durante as preliminares.”

Agora que a falta de pelos é regra na pornografia, um gênero de pornô foi desenvolvido para homens que gostam de assistir mulheres com pelos. Isso é chamado, em um website, “bearded clams” (Tradução: algo como “molusco barbudo”) (Shave My Pussy, 2002). Esse nome sugere que as genitálias femininas são perigosas, como na ideia da vagina com dentes, e que, talvez, elas cheirem. Mulheres são, é claro, chamadas de “peixe” em partes por homens gays e pela cultura heterossexual devido ao suposto odor (Jeffreys, 2003).

Como resultado da depilação brasileira as mulheres prestaram mais atenção em seus lábios vaginais pois agora eles estão visíveis como nunca antes. Na pornografia os lábios vaginais são frequentemente pintados artificialmente para que pareçam mais uniformes. As mulheres não têm lábios obviamente desiguais ou particularmente longos porque eles são arrumados pelo aerógrafo para que homens não se ofendam, e possam adquirir um produto uniforme. Mas a pintura não é suficiente e mulheres na pornografia regularmente empregam a labioplastia, na qual os lábios são cortados para modelar, criar o visual padrão. Essa prática pornográfica tem impacto sobre mulheres fora da pornografia quando os namorados pressionam as mulheres para que pareçam estrelas pornô sem pelos. Mulheres, já treinadas em culturas dominadas por homens a não gostar de suas genitálias, as notam mais. Elas podem se preocupar por suas genitálias não serem como a das mulheres na pornografia, ou seus parceiros podem deixar isso claro para elas. Elas então recorrem a cirurgiões cosméticos que já obtém um bom ganho arrumando estrelas pornô. A influência da pornografia é abertamente admitida pelos próprios cirurgiões. Dessa forma, Dr. Alter, um expoente da labioplastia, chama a demanda pelo procedimento de “Efeito Penthouse” (Alter, 2002). Ele explica que a Playboy gerou a demanda por aumento de seios nos anos 1960 e 1970, em seguida “fotos de virilhas em revistas e imagens pornográficas aumentaram a consciência das mulheres a respeito de suas partes baixas” (Alter, 2002).

A labioplastia é chamada pela revista Cosmopolitan de “cirurgia de aprimoramento sexual” (Loy, 2000) e inclui:
Estreitamento vaginal (similar ao ponto do marido – ato de costurar a vagina esticada ou dividida após o nascimento da criança),  liposucção e levantamento dos lábios que começaram a perder a batalha para a gravidade, “reparo” do hímen, corte ou alongamento de lábios assimétricos, remoção de pele do clitóris para maior fricção e injeção de gordura (retirada da parte interior da coxa) em lábios muito magros.(Loy, 2000)
Aya Zawadi (2000) em artigo chamado “Mutilação por Escolha”, na americana Soul Magazine, compara a labioplastia com a mutilação genital feminina. Ela entrevistou mulheres sobre as razões pelas quais elas consideraram a labioplastia o que revelou ansiedade e constrangimento sobre a suposta feiura dos lábios. Uma mulher disse “Lábios compridos são tão feios e nojentos, eu me sinto muito constrangida por causa deles, consideraria uma intervenção.” Outra explicou, “Os meus são protuberantes para fora dos lábios externos, estou planejando fazer uma cirurgia como presente de aniversário para mim mesma” (Zawadi, 2000). Os efeitos colaterais que as entrevistadas sofreram foram desagradáveis. “Betty” ainda sentia dor 6 semanas após a cirurgia. Ela tinha poucas cicatrizes mas disse que outra mulher que se submeteu à cirurgia no mesmo dia que ela, teve: “Cicatrizes horríveis. Eu não conseguia olhar. Só sei que ela [a mulher que dividiu o quarto com ela] estava horrorizada e terrivelmente deprimida” (Zawadi, 2000). Essa mulher acabou buscando aconselhamento para lidar com a experiência. Como “Rhonda” diz, “Você pode pensar que está fazendo isso pela própria autoestima, para se sentir mais desejável, mas no final você está fazendo isso pelos homens.” Outros efeitos colaterais incluem “muita dor e uma espera de dois meses antes de poder fazer sexo. Sem mencionar lábios muito inchados.” Os riscos após a labioplastia incluem perda de sensação, estreitamento exacerbado da abertura vaginal, desconforto devido a roupas e visual não natural das genitálias ao invés de uma mudança positiva. A conclusão de Zawadi (2000) é que “Nós lutamos muito e por muito tempo contra o que ainda ocorre em outras partes do mundo para agora nos voluntariarmos para a mutilação no consultório de um médico.”

Uma razão pela qual mulheres heterossexuais podem sentir que suas genitálias requerem cirurgia é que elas não sabem como as genitálias de outras mulheres são. Um influente cirurgião australiano disse que no início dos anos 1990 não havia demanda por cirurgia plástica genital feminina, mas que agora ele estava vendo duas por mês e a demanda estava crescendo (Fyfe, 2001). Ele atribuiu o aumento na demanda a “revistas masculinas”, e declarou que 90% das mulheres que recorriam a ele para fazer cirurgia plástica genital acreditavam falsamente que algo estava errado com elas. Retratar a genitália feminina em “publicações não restritas” (i.e. disponíveis sem capa plástica nas prateleiras) é proibido na Austrália de acordo com diretrizes determinadas em 1999. Isso significa que revistas pornográficas que querem evitar a capa plástica alteram digitalmente as imagens para que as genitálias das mulheres não sejam “realistas”. Mulheres que veem as genitálias de outras mulheres na pornografia são portanto incapazes de fazer uma comparação realista consigo mesmas. Elizabeth Haiken, autora de Venus Envy: A History of Cosmetic Surgery (1997) apoia este ponto de vista sobre as origens da demanda popular pela labioplastia: “Antes das fotos de virilha serem publicadas ninguém estava interessado nisso, mas agora todos sabem como os  lábios deveriam parecer” (Leibovich, 1998).

A história de Victoria em Marie Claire sugere que a busca das mulheres pela labioplastia surgiu da revelação dos lábios através da prática da depilação brasileira:
Quando surgiu o entusiasmo por depilações biquíni e a quase total ausência de pelos pubianos, meus lábios proeminentes realmente começaram a me incomodar. Quando eu estava nua, podia ver meus lábios pendurados pelo menos uma polegada. Eu senti que parecia que eu tinha testículos. Era como uma traição do meu corpo. Eu sempre odiei aquele momento no qual o cara estava colocando a camisinha, suspenso sobre as pernas abertas. Se eu pensasse que ele estaria vendo, isso não saía da minha cabeça durante o sexo. E algumas vezes durante o sexo, os lábios podiam ser empurrados para dentro, o que não era doloroso, só irritante. Eu estava realmente constrangida – ao ponto que se meu namorado entrasse no banho comigo, eu me encolhia. Eu me sentia constrangia até mesmo quando ia ao ginecologista. 
(Hudepohl, 2000)
Os efeitos colaterais que Victoria sofreu foram muito dolorosos: “A área estava muito inchada, talvez cinco vezes o tamanho que tinha antes, e os pontos eram muito mais extensos do que eu pensei. Tive que deitar com uma compressa de gelo entre as pernas, e no terceiro dia, quando saí para uma caminhada curta, começou a latejar, então tive que ir para casa e reaplicar o gelo.” Mas ela considera que o sofrimento valeu a pena porque agora ela se sente menos constrangida: “Agora eu me sinto tão confortável com meu corpo quando estou nua, de frente para meu namorado. Eu me sinto mais sexy e menos inibida. Dificilmente consigo ver a cicatriz. O que eu gosto mais é me olhar no espelho sem ver nada pendurado” (Hudepohl, 2000). Ela não sugere que o namorado tenha influenciado sua decisão. Nesse caso, Victoria buscou uma cirurgia dolorosa e debilitante porque foi culturalmente induzida a ver genitais perfeitamente normais como desagradáveis. Seu cirurgião lucra com o ódio social a mulheres.

Quando cirurgiões de labioplastia anunciam  seus produtos, brincam com a noção de que a prática é em prol do interesse feminino ao invés de tornar mulheres mais sexualmente atraentes para homens. No website LabiaplastySurgeon.com, no qual um cirurgião cosmético anuncia para contratar, o procedimento é descrito assim:
Labioplastia é um procedimento cirúrgico que vai reduzir e/ou remodelar os pequenos lábios – a pele que cobre o clitóris feminino e a abertura vaginal. Em alguns casos, mulheres com lábios grandes podem experienciar dor durante o intercurso, ou sentir desconforto durante atividades cotidianas ou quando usam roupas apertadas. Outras podem não se sentir atraentes ou desejarem aprimorar suas experiências sexuais ao retirar a pele que cobre o clitóris. O propósito da labioplastia é definir melhor os pequenos lábios.(LabiaplastySurgeon.com, 2002)
As “melhores candidatas” são “Mulheres que estão experimentando disfunções sexuais ou constrangimento porque seus lábios [...] são grandes demais ou assimétricos. Também mulheres que não gostam do tamanho grande ou modelo de seus lábios, o que pode causar deselegância ou estranhamento com um parceiro sexual” (LabiaplastySurgeon.com, 2002). Fotos de antes e depois no site mostram as genitálias de uma mulher sem sorte. “Antes” ela tinha lábios identificáveis que mediam por volta de 1 centímetro, “depois” ela não tem nada que possa ser visto. Outro cirurgião, Dr. Robert S. Stubbs, oferece uma grande variedade de procedimentos cirúrgicos nas genitálias femininas que inclui aumentar os grandes lábios, “aumento de labia majora” e “retirada de pele do clitóris” ou “aprimoramento genital” geral. Fotos de antes e depois de todos esses procedimentos estão disponíveis na web em uma Galeria de Arte Cirúrgica (Psurg, 2002).

Cirurgiões de labioplastia também oferecem outras “cirurgias genitais” Mulheres podem ter a “abertura da uretra redefinida” e “melhorias necessárias a vagina” podem ser realizadas ao mesmo tempo (LabiaplastySurgeon.com, 2002). A cirurgia na vagina é chamada “rejuvenescimento vaginal” e isso é descrito como sendo “Para mulheres que experienciaram múltiplos partos”, cujos músculos vaginais podem ter passado por “alargamento” durante o parto de forma que elas têm “músculos vaginais soltos e fracos”. A cirurgia “pode geralmente corrigir o problema de músculos vaginais soltos, resultado de parto(s), e isso é um meio direto de elevar a vida sexual mais uma vez”. A vida sexual de quem será elevada aqui, a da mulher ou do parceiro sexual desapontado, não fica claro. A técnica pode ser realizada em “pacientes não internadas” e “aperta músculos e tecidos adjacentes amolecidos ao reduzir mucosa vaginal excessiva (revestimento vaginal)” (LabiaplastySurgeon.com, 2002). Outras formas de cirurgia estão disponíveis para mulheres preocupadas com os efeitos da idade em suas genitálias. Dessa forma o cirurgião de labioplastia Dr. Gary Alter explica que a genitália feminina muda de forma conforme a mulher envelhece e as mulheres podem precisar reverter isso, “Conforme envelhecemos, a gravidade faz com que todas as partes do corpo descendam. Assim, os pelos pubianos, as regiões do púbis e vaginal também descendem, causando uma aparência envelhecida. Essa área é elevada realizando o oposto de uma abdominoplastia; o excesso de pele acima dos pelos pubianos é retirado, elevando o púbis. Esse procedimento é frequentemente combinado com a abdominoplastia” (Alter, 2002).

Cirurgiões de labioplastia agora oferecem rotineiramente reparo de hímen para mulheres de culturas nas quais a virgindade é uma exigência para o casamento. Liberty Women’s Health Care do Queens, em Nova Iorque, por exemplo, oferece uma variedade de cirurgias genitais que inclui “Cirurgia de Reparo de Hímen, Restauração, Himenoplastia, Himenorrafia do Anel Himenal” (Liberty Women’s Health, 2002). Eles explicam a necessidade desses procedimentos dessa forma: “O anel himenal normalmente é rompido após o intercurso sexual ou até mesmo após vigorosa atividade física ou uso de absorventes internos. Às vezes, por razões culturais ou pessoais (por exemplo, um casamento), uma mulher pode querer restaurar um anel himenal intacto e apertado.” Quando esse é o caso eles oferecem uma técnica cirúrgica especial que pode “reparar e apertar o hímen para um estado mais intacto e virginal na maioria das pacientes”. A cirurgia é “virtualmente indetectável”. A prática que a clínica oferece é comum em países como a Turquia onde a virgindade da mulher é necessária parte do contrato de casamento (Cindoglu, 1997). Em tais países mulheres estão sujeitas a códigos patriarcais tradicionais de moralidade. Mulheres e meninas são transformadas cirurgicamente em “virgens” para que um melhor preço seja cobrado por elas, ou uma melhor classe de marido. Imigrantes desses países estão agora criando um mercado lucrativo para cirurgiões preparados para realizar a cirurgia em países ocidentais como os EUA e Holanda (Saharso, 2003).

Liberty Women’s Health piedosamente afirmou que nunca “ofereceriam ou permitiriam qualquer forma de circuncisão ou mutilação genital, independente da crença cultural”. Eles irão realizar cirurgia para fazer com que mulheres estejam de acordo com as demandas da pornografia ocidental ou da tradição Islâmica ao cortá-las, entretanto. Isso é comparável, mas com certeza dificilmente distinguível de mutilação genital feminina. Há um bom lucro para médicos que se submetem às cruéis demandas da cultura em reparo de hímen ou labioplastia em corpos femininos bem como reparo danos resultantes de tais demandas.

A cirurgia realizada em genitálias femininas para satisfazer desejos pornográficos de homens é um bom exemplo da forma pela qual a profissão médica pode atuar como ajudante da dominação masculina. A medicina está agora na prática de esculpir as genitálias da pornografia em corpos femininos. Como Dilek Cindoglu diz sobre as práticas de cirurgiões na Turquia que fazem a cirurgia de reparação de hímen: “Médicos como profissionais e a medicina como instituição não são independentes do ambiente social no qual existem” e suas cirurgias precisam ser vistas como “intervenções da medicina na fábrica social de forma muito patriarcal” (Cindoglu, 1997, p. 260). Cirurgiões ocidentais que realizam labioplastia culturalmente requerida e outras cirurgias de “aprimoramento sexual” dão profundamente envolvidos na pornografização da mulher.


O resultado da normalização da pornografia nos anos 1980 e 1990, através do culto à Madonna e a internet, é que a imagem do que é bonito para jovens mulheres e meninas tornou-se inextricavelmente ligada à indústria do sexo. Parecer com Madonna transformou-se no século XXI em parecer com Britney Spears mas o impulso, de representar a prostituição, é o mesmo. Na passarela os valores e práticas da prostituição e pornografia agora dominam. Estilistas homens estão vendendo o visual da prostituição sadomasoquista em particular, aos ricos e modernos. No próximo capítulo olho criticamente para o que passa pela moda e os homens que a criam. 

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

[CAPÍTULO 4, PARTE 2] Beleza e Misoginia - Sheila Jeffreys (2005)

MADONNA COMO MODELO

A cultura criada ao redor da cantora Madonna foi um importante elemento na normatização do visual de prostituta na alta costura. No final dos anos 1980 o culto à Madonna como heroína “transgressora” uniu feministas liberais, maquiadores, antifeministas e estudiosos de teoria pós-moderna. Madonna se vestiu com roupas usualmente associadas com o bordel sadomasoquista e constantemente pegava em sua virilha no palco. Ela criou o Sex, livro do sexo, cheio de imagens de pornografia e prostituição e fez vídeos que são diretamente sobre prostituição (O’Brien, 1992). Quando criticada pela cena na qual está acorrentada à cama em Express Yourself e se arrastando de quatro pelo chão ela diz “Ok, mas eu me acorrentei, certo?”... Eu estou no comando, certo? Degradação é quando outra pessoa está te forçando a fazer algo que vai contra seus desejos, certo?” (citado em Schulze et al.,1993, p. 28). Na análise de Madonna sobre como as forças de dominação masculina funcionam, falta sofisticação.

Camille Paglia escolhe celebrar Madonna especificamente porque ela, Paglia, é “radicalmente pró-pornografia e pró-prostituição” e enxerga “o exibicionismo sexual de Madonna não como algo barato ou trivial mas como a completa, florescida expressão do antigo domínio da vadia sobre os homens” (Paglia, 1992, p. 11). Enquanto muitos fãs de Madonna a defendem contra acusações de detratores de que ela se representa como prostituta, Paglia diz que ela certamente faz isso, e isso que a faz poderosa. Prostitutas, na visão de Paglia, dominam os homens. Isso provavelmente seria novidade para as milhões de mulheres sofrendo na indústria internacional do sexo, das quais a vasta maioria gostaria de sair mas não pode (Jeffreys, 1997b; Barry, 1995). As performances de Madonna fazem parecer que a prostituição dá poder a mulheres sobre homens. Ela representa a ocupação de mulheres, a qual Monique Wittig chama de categoria do sexo (Wittig, 1996), como poderosa, e parece abraçar alegremente a performance da acompanhante sexual dividida pelas mulheres. Seus defensores, que falam com empolgação sobre seu poder, são incapazes de distinguir entre uma atriz representando uma prostituta que tem poder sobre homens e o exercício do poder no mundo real, incluindo no bordel.

Teóricos pós-modernos de estudos culturais elevaram madona ao status cultural com uma grande quantidade de livros escolares em linguagem pós-moderna e uma área acadêmica inteira de estudos devotados a ela em universidades americanas (Lloyd, 1994; Schwichtenberg, 1993a). Aqueles que desejaram argumentar que a cultura popular poderia levar ao empoderamento feminino ao invés de exercer um papel em sua opressão escolheram Madonna como seu símbolo. Eles promoveram Madonna como modelo de agência feminina e transgressão e modelo para a nova geração de mulheres empoderadas. No curso de seus elogios eles ridicularizaram o que consideravam feminismo antiquado e anti-sexo – o tipo que criticava a cultura popular por seus valores misóginos.

Abordagens pós-modernas são mais sutis do que a de Camille Paglia, apesar de que, eu diria, a mensagem básica é a mesma; Madonna como um modelo transgressor para jovens mulheres. Como Ann Kaplan coloca em uma coleção de edições lançadas sobre novos estudos a respeito de Madonna: “De acordo com a abordagem dos estudos culturais britânicos, Madonna, especialmente em suas primeiras fases, tem sido um útil modelo para mulheres adolescentes na geração e promoção de sua imagem, em sua autonomia e independência, e em sua determinada criatividade” (Kaplan, 1993, p. 162). Cathy Schwichtenberg, editora de The Madonna Connection (Conexão Madonna) (1993a), celebra Madonna por exemplificar a prática tão amada por feministas pós-modernas, a “performance de gênero” – ou seja, ao atuar uma feminilidade exagerada e desta forma mostrar que a feminilidade é de fato uma construção social, “Madonna carrega os dispositivos da feminilidade, afirmando assim a feminilidade como um dispositivo. Madonna leva o estímulo ao limite em uma manobra desconstrutiva que joga a feminilidade contra si mesma – uma metafeminilidade que reduz o gênero a reprodução do estilo” (Schwichtenberg, 1993b, p. 134). A ideia parece ser que aquelas para as quais Madonna era um modelo, geralmente jovens garotas adolescentes, reconheceriam a partir dessa performance que elas não precisavam reproduzir a feminilidade. Elas teriam a sofisticação para entender, como presumivelmente seus fãs em departamentos de estudos culturais entenderam, a forma na qual o trabalho artístico funcionava, isto é:

Performance de gênero é a mistura e combinação entre estilos que flerta com os significantes da diferença sexual, desligados de suas âncoras. Tal inconstância enfatiza a fragilidade do gênero, sendo este puro artifício. Dessa forma, os papéis de gênero de desenham em um trabalho artístico pós-moderno de múltiplos estilos: masculinidade e feminilidade fraturados e refratados em tensão erótica.(Schwichtenberg, 1993b, p. 134)
Madonna é vista por teóricos pós-modernos como transgressora ao “cruzar as barreiras estabelecidas de papéis de gênero apropriados e sexualidade desenhada pelo patriarcado e heterossexualismo” (Schulze et al., 1993, p. 23). Mas teóricos pós-modernos apontam que muitos críticos de Madonna não conseguem ver que ela representa uma “ameaça radical” (Schulze et al., 1993, p. 23) e tendem a caracterizá-la como representante das prostitutas ao invés. Qual a natureza da “ameaça” que os entusiastas de Madonna consideram que ela representa? Madonna tira as fantasias masculinas de sadomasoquismo e prostituição dos bordéis e da pornografia e as coloca na indústria do entretenimento. Ela vende a prática da prostituição a jovens mulheres como uma forma de empoderamento feminino. O efeito é  a contribuição significativa à normatização da prostituição, tornando publicamente aceitável retratar mulheres como prostitutas na moda e na propaganda em geral. Cheryl Overs, porta-voz da organização pró-prostituição Network of Sex Work Projects (Rede de Projetos de Trabalho Sexual), credita à Madonna o feito de tornar seu trabalho muito mais fácil nos anos 1980 (Doezema, 1998). Ela entende que Madonna conseguiu normatizar a prostituição na cultura mainstream.

Madonna tornou-se desapontantemente não-revolucionária assim que desce do palco. Ela escolheu o casamento e a maternidade. Como o jornal Daily Mail reportou: “Ela é uma menina doce e será uma excelente mãe, afirmam os pais do namorado” (citado em Smith, 2000). Entretanto, com o encorajamento de uma indústria do entretenimento que sabe que pornô vende, e o desejo de chamar a atenção, ela escolheu representar a prostituição enquanto fazia sua fortuna. O dano que ela causou é que a moda de jovens meninas é agora mais firmemente alinhada ao serviço à sexualidade masculina. O visual da prostituta ou “vadia” continua sendo chique. Ao fazer esta crítica estou ciente de que será desprezada por estudos culturais feministas da mesma forma em que desprezam mulheres na audiência de Madonna que não apreciam sua performance, “Quando o hater é uma mulher, pode-se especular que a rejeição é a manifestação de uma mera ‘autorrejeição’, um ódio a si mesma resultante da interiorização do feminino patriarcal” (Schulze et al., 1993, p. 31). Este é um exemplo do que a filósofa feminista radical Mary Daly chama de “patriarcal reverso” – isto é, feministas acusadas de reproduzir precisamente os valores e práticas que criticam (Daly, 1979).

PRÁTICAS DE BELEZA PORNOGRÁFICAS

As mulheres na pornografia têm seus corpos transformados para se ajustar aos interesses fetichistas dos consumidores homens. Elas têm implantes nos seios, bem como outras formas de cirurgia cosmética, depilação brasileira e labioplastia. Adult Video News demonstra, numa entrevista com uma atriz pornô, Tabitha Stevens, como a mutilação requerida daquelas que querem fazer sucesso pode ser severa. O programa televisivo Entertainment Tonight documentou e pagou parcialmente por sua cirurgia de US$ 30,000. O cirurgião era, de acordo com ela, totalmente incompetente:
“Coloquei implantes nas bochechas, um deles ele colocou torto, do lado errado” ela explica. “Ele os colocou em direção ao meu olho; eles deveriam ser em direção à minha boca. Bem, um deles virou, estava saindo pelo meu olho. Ele consertou isso, mas estava virando de novo, e isso era muito desconfortável. Então fui até ele novamente. E ele queria me cobrar para fazer de novo. E eu disse, ‘Beija minha bunda’.”(Adult Video News, 2002b)
Tabitha fez cinco cirurgias nos seios e quer fazer lipoaspiração em seu dedo mindinho para vender a gordura retirada na internet.
Existem outros exemplos de práticas de vender carne tirada dos corpos de modelos pornô. A estrela pornô Houston vendeu as partes de seus lábios vaginais que foram removidas em uma cirurgia de labioplastia. Adult Video News (2000) explicou que a “Rainha mundial da suruba” fez um “duplo procedimento de várias horas para reduzir os lábios vaginais e substituir implantes de seios. ‘Eu nunca gostei de meus lábios vaginais’ disse Houston. ‘Eles sempre caíam para fora do meu biquíni’.” Ela supostamente teve “um centímetro de vulva cortado dos lábios internos”. Um fotógrafo registrou a operação. AVN explicou que “Demorou um tempo até que Houston estivesse bem o suficiente para atuar” (Adult Video News, 2000), e disse que ela subsequentemente leiloou “cortes de lábios vaginais no leilão online Eroticbid.com.”

Conforme a indústria pornográfica cresce e se naturaliza ao ponto de mulheres serem expostas a ela em suas casas por parceiros homens, surgem novas práticas de “beleza” relacionadas. A ascensão da exigência de que mulheres devem ter seios grandes, e os lucros concomitantes da cirurgia de implante nos seios, deve muito à pornografia mas eu lido com esse assunto mais adiante. Aqui eu me concentro no impacto da pornografia nos genitais femininos. A pornografia criou uma nova área no corpo feminino na qual elas devem direcionar ansiedade, dinheiro e procedimentos dolorosos. Onde uma vez mulheres quase não olhavam seus genitais elas agora são exigidas a dar a eles tanta atenção quanto reservavam a seus rostos.

quarta-feira, 29 de março de 2017

[CAPÍTULO 4, PARTE 1] Beleza e Misoginia - Sheila Jeffreys (2005)

PORNOCHIC
A prostituição constrói a beleza

      No final do século XX a indústria da pornografia tornou-se altamente lucrativa e respeitável. Enquanto crescia em tamanho, passou a ter considerável influência social na construção das práticas de beleza. Nos anos 1960 e 1970 em culturas ocidentais as censuras à pornografia foram relaxando progressivamente sob a influência da “revolução sexual”. Eu argumentei em outro lugar que essa revolução sexual consagrou como positivos valores sociais os desejos sexuais de homens pelo acesso a mulheres, particularmente através da pornografia e da prostituição (Jeffreys, 1990, 1997b). Mas historiadores da sexualidade entenderam a “revolução sexual” como sendo sobre a liberdade sexual das mulheres. Certamente as mulheres obtiveram alguns ganhos. O direito das mulheres a alguma forma de resposta sexual e a ter relações sexuais fora do casamento tornou-se muito mais aceito, mas a maior beneficiária dessa “revolução”, eu sugiro, é a indústria do sexo. A indústria do sexo foi capaz de expandir em um clima econômico e social de capitalismo liberal de livre mercado. Novas tecnologias de vídeo e a internet foram extremamente convenientes para essa indústria e foram fontes imediatas de novas práticas de pornografia. Os valores da pornografia, e suas práticas, se estenderam para fora das revistas e filmes para tornarem-se os valores dominantes da propaganda de moda e beleza, e da propaganda de muitos outros produtos e serviços. Tem havido uma pornografização da cultura. Neste capítulo eu analiso a forma pela qual práticas pornográficas têm influenciado as indústrias da moda e da beleza.

PORNOGRAFIA TORNA-SE RESPEITÁVEL
      A indústria do sexo cresceu enormemente em tamanho, aceitação social e influência em políticas masculinas nos anos 1980 e 1990. A normatização da indústria coincidiu com seu período de maior expansão nos anos 1990 como resultado de uma política da administração Clinton nos Estados Unidos de não processar a pornografia (Adult Video News, 2002ª). Adult Video News (Notícias de Vídeos Adultos) (AVN), a revista online da indústria da pornografia dos Estados Unidos, especula que Clinton gostava de pornografia e tinha um estoque especial em seu avião Air Force One (2002ª). AVN diz que Clinton era um libertino e que durante seu mandato as companhias produção pornográfica dobraram e a pornografia se infiltrou em muitas áreas da sociedade norte-americana.
A indústria dos Estados Unidos fez grandes esforços para ganhar aceitação. Contratou lobistas, participou de caridade e fez campanhas pelo uso de camisinha para prevenir o HIV. Aprendeu com outra indústria muito prejudicial, a do tabaco, que apesar de ter perdido a posição social agora, por um tempo usou lobistas e pessoas para catapultar a indústria muito bem. Por exemplo, fumantes homens que eram a epítome da masculinidade eram usados para promover a indústria, até que morriam devido a seus efeitos. A indústria norte-americana da pornografia criou exibições da indústria do sexo, agora mantidas em alguns países e muitos estados na Austrália anualmente. Inventou a cerimônia de premiação. Isso começou com a Adult Video News em 1983. Como a AVN coloca:
Com mais e mais atenção da mídia de massas focada na premiação todo ano, a extravagância também serviu para aumentar consideravelmente o perfil da indústria na nação e no mundo. E eles não eram chamados de o equivalente adulto ao Oscar por nada. Como o Oscar, a estatueta de Melhor Filme ou Melhor vídeo pode impulsionar significativamente as vendas e aluguéis daquela produção.
      A indústria norte-americana empregou a tática de tornar algumas estrelas pornô celebridades que então passam a ser usadas na promoção da cultura pop de massas. Agora estrelas pornô são respeitáveis o suficiente para estar em programas de rádio dos Estados Unidos como Howard Stern ou o Porn Stars Are People Too (Estrelas Pornô São Pessoas Também), da rádio ABC, da Disney. Estrelas pornô estão aparecendo em programas de TV famosos. Artistas pornô dançam nos palcos em premiações musicais.
      Um exemplo do nível de aceitação social que indústria pornográfica atingiu é o sucesso de Richard Desmons, um pornógrafo famoso do Reino Unido que publica títulos como Big Ones (Os Grandes) e Horny Housewives (Donas de Casa Excitadas) e um site de sexo “ao vivo”. Em fevereiro de 2001 o governo do trabalho britânico aprovou que Desmond controlasse os tabloides Daily Express e Daily Star. Oito dias depois o Partido dos Trabalhadores britânico recebeu uma doação de £100,000 para despesas com a eleição (Maguire, 2002). Apesar de alguma reação crítica ao que parecia uma decisão de dar dois grandes jornais do Reino Unido a um rei da pornografia em troca de uma doação, em maio de 2002 Desmond foi convidado para um chá na Downing Street para encontrar Tony Blair. É difícil imaginar esse grau de aceitação social da pornografia e da indústria do sexo como completamente razoáveis sargentos em armas para o partido dos trabalhadores em 1970, quando a pornografia ainda tinha um ar desonroso. Os lucros da indústria pornô agora são tão grandes que ela é capaz de comandar considerável obediência política.
      Uma força motriz na normatização do que passou a ser visto como pornografia leve é o desenvolvimento do pornô extremamente pesado nos anos 1990. Nesta década a pornografia dos Estados Unidos, que domina o mundo do mercado nessa forma de exploração sexual, tornou-se muito mais violenta e degradante contra as mulheres usadas nela. Adult Video News descreve o movimento em direção a pornografia “hardcore” dessa forma:
Havia o artifício necessário do “cuspa e abra”, quando um cara abria o ânus de sua parceira tanto quanto possível e então dava uma cusparada dentro. Anal e penetração profunda tornaram-se uma exigência; logo também tornou-se o truque “airtight” (um pênis em cada buraco), a mais nova posição no homoerótico (anal duplo), mega orgias, transar sufocando, urinar, ejaculação múltipla (...) até mesmo vômito, por um breve, desagradável momento. Nós apenas podemos imaginar o que vai pegar em seguida.
(Adult Video News, 2002ª)
      Esse tipo de pornografia, que progressivamente ganhou popularidade, é, de acordo com a AVN, direcionada a jovens homens que gostam de humor de vestiário. Enquanto algumas áreas da pornografia tornam-se mais e mais extremas na violência direcionada a mulheres, outras têm sido normatizadas e são capazes de fazer seu caminho perfeitamente rumo à moda respeitável e à “arte”.

A ECONOMIA DA PORNOGRAFIA
      Nos anos 1990 a indústria do sexo começou a ser coberta seriamente nas páginas de negócios em jornais. Os lucros exatos obtidos pela indústria são difíceis de medir, em parte porque existe uma diversidade de formas de exploração sexual, e porque algumas companhias não são competitivas em seu envolvimento com a pornografia para ser conhecidas. Existem algumas estimativas disponíveis, entretanto, para os Estados Unidos. Bill Asher, presidente da companhia de vídeos pornográficos Vivid, estima que a indústria em 2001 valia 4 bilhões de dólares incluindo vídeo, DVDs, TV, internet, clubes de strip e revistas mas diz que esse valor já era o dobro do que valia apenas três anos antes. Denis Hof, um associado de Larry Flynt em Hustler, confirma que a indústria está aumentando em tamanho muito rápido. Ele diz que ao passo que apenas nos 8 anos anteriores 1.000 vídeos pornográficos por ano eram produzidos por ano nos Estados Unidos, o dígito era 10.000 em 2001. O tamanho da indústria na internet em 2002 era indicado pela existência de 200.000 sites pornográficos (Confessore, 2002). Um relatório de uma companhia de pesquisa de tecnologia da informação em 2002 prevê que lucros de materiais pornográficos transmitidos para telefones celulares nos Estados Unidos alcançaria anuais US$ 4 bilhões em 2006, de um “total gasto com pornografia de US$ 70 bilhões” (Nicholson, 2002). Para a indústria fora dos Estados Unidos é difícil ter estimativas. Entretanto, um relatório do Comitê de Mulheres da União Europeia sobre o impacto da indústria do sexo na Europa em 2004 estimou que “70% dos £252 milhões que os usuários europeus da internet gastam na rede” (i.e. um particular meio de pornografia) “durante 2001 vinha de vários sites pornográficos” (Eriksson, 2004, p. 11).
      Nos anos 1990 a pornografia foi incluída pelo mundo corporativo nos Estados Unidos. Companhias muito grandes e notórias começaram a lucrar consideravelmente com a indústria. As grandes companhias obtêm seus lucros de pornô perturbador. AT&T em 2003 estava distribuindo isso através de seu canal de TV à cabo. Mais tarde naquele ano anunciou a intenção de abandonar toda a programação adulta (Brady e Figler, 2003). As grandes redes de hotéis Marriott, Westin e Hilton lucraram com pornografia pay-per-view em seus quartos. A General Motors, a maior companhia do mundo, é dona da DirecTV, cujos canais pornográficos estão dentro de milhões de casas nos Estados Unidos. A General Motors agora vende mais filmes de sexo todo ano do que Larry Flynt (Egan, 2001).
      Adult Video News alega que os vídeos pornográficos valem mais do que a indústria de filmes legítima de Hollywood e frequentemente usa a mesma equipe (Adult Video News, 2002ª). A indústria é centrada em Hollywood e cria, de acordo com AVN, mais empregos para o exército de técnicos de filmes de Hollywood e equipe de set do que a produção mainstream. A indústria pornográfica utiliza métodos e linguagem similares, por exemplo, companhias de produção pornográfica agora têm “garotas contratadas” que trabalham por contrato na companhia, como atrizes de filmes costumavam trabalhar na indústria comum. Existem mais e mais similaridades entre os gêneros comum e pornográfico. Filmes mainstream sobre a indústria são feitos, permitindo que homens vejam strip e atos sexuais no cinema local. A indústria comum se torna mais e mais pornografizada, mostrando sempre mais atividade sexual gráfica. Outro aspecto da normatização que está ganhando espaço é a forma na qual a indústria da música está se tornando entrelaçada com a indústria pornográfica. Gêneros inteiros de música pop agora se convergem com a respeitável indústria pornográfica, com atores pornô cantando na Tower Records, por exemplo. Seu público-alvo são os mesmos consumidores, jovens homens.

PROPAGANDA PORNOGRÁFICA
      No começo do século XXI a onipresença da pornografia na propaganda levou alguma inquietação a ser expressada na imprensa de qualidade. Uma matéria de Jessica Davies no The Times comenta as imagens pornográficas explícitas na Vogue:
Primeiro é um anúncio da Dior no qual uma jovem modelo, coberta em óleo e aparentemente tocando uma guitarra imaginária, toca sua virilha com as pernas bem abertas. Depois é uma propaganda de perfume de YSL com uma garota nua em pé entre dois homens que pareciam gays. Então uma promoção de sapatos de Kurt Geiger com um casal fazendo sexo contra uma parede, a mulher (naturalmente) expondo muito o corpo. E uma propaganda de Emanuel Ungaro no qual uma mulher pouco vestida se masturba ajoelhada no chão de madeira.
(Davies, 2001)
      Davies perguntou a editora da Vogue, Alexandra Shulman, sobre seus pensamentos e relatou que, “ela reconhece que a ‘moda erótica’ como ela chama, está sendo mais usada”, mas ela “não tem problemas com tais imagens”. Shulman disse, “Eu tenho a visão de que é mais positivo que negativo (...) Certamente não me ofende – e a revista vende bem.” Mas ela disse a Davies que a “tendência por mais imagens explícitas pode ter ido longe demais”. É improvável, entretanto, que ela terá qualquer poder de decisão sobre o que é “longe demais”. Uma diretora de propaganda em outra publicação disse a Davies que “minhas visões pessoais provavelmente chateariam muitos de meus clientes” e apesar de ela não gostar muito do que aparece em sua revista ela está “envolvida com moda poderosa e com as casas de beleza que a financiam” (2001).
      Jonathan Freedland, no The Guardian, expressa sua preocupação com o fato de que a propaganda pornográfica se espalhou além da moda, até no humilde macarrão instantâneo. Como Freedland descreve, “Eles mostram um homem a mercê de uma prostituta em roupas de dominatrix, enquanto baba sobre um especialmente picante macarrão instantâneo. Ele implora que o lanche faça seu pior, terminando com o slogan: ‘Hurt me, you slag (Acaba comigo, vagabunda)’” (Freeland, 2002). O anúncio do macarrão instantâneo é sintoma de uma tendência na propaganda da moda na qual não apenas as mulheres tiram suas roupas e ficam em posições sugestivas aprendidas pela pornografia, mas são agora frequentemente representadas como prostitutas.
      Uma maneira na qual a propaganda da moda está seguindo a pornografia é que a nudez está se tornando a regra. Seios agora são rotineiramente expostos, completamente ou por trás de tecidos transparentes. Os designers e fotógrafos usam a nudez precisamente para conseguir atenção da mídia. É pouco provável que as roupas reveladoras encontrarão muito mercado entre mulheres mas isso não importa em tempos nos quais marcas de moda estão tão desesperadas por clientela que qualquer atenção que possa impulsionar suas linhas de perfume e bolsa vale a pena. O comentário sob a figura é “uma modelo mostra uma roupa do novo designer Toni Maticevski no Festival de Moda de Melbourne ontem. A coleção feminina de Maticevski mostra arranjos e cortes não ortodoxos, com pregas e bainhas” (Express, 2002). Não são as bainhas que fizeram com que a foto fosse incluída e mulheres pouco provavelmente correriam para comprar a vestimenta.
      Bruce LaBruce, um pornógrafo gay canadense, comenta sobre o que ele chama de “o espaço sempre diminuído entre pornografia e moda” e que ele ouviu de “ao menos cinco novas revistas saindo que fazem a distinção decididamente academicamente” (LaBruce, 2001). LaBruce descreve um ensaio fotográfico que fez “apenas para ficar fora da curva” com um homem “estrela pornô” russo e um “brasileiro estilo prostituto”, “Um estilista amigo meu vestiu o russo em um casaco de pele preto de US$45,000 da Gucci e alguns ternos Helmut Lang. Eu fotografei ele pegando o garoto de programa enquanto fazia compras na Bed, Bath and Beyond em Chelsea antes de levá-los a um apartamento estilo anos 70, onde continuei a fotografar enquanto eles faziam sexo. É tipo uma piada” (LaBruce, 2001). LaBruce tem alguma ambivalência sobre sua profissão e diz em um artigo que escreveu para o Guardian, “Enquanto eu estive no set do meu primeiro filme pornô ‘legítimo’ e me encontrei obrigado a ir lá e limpar a bunda de um dos artistas que estava experienciando um pequeno vazamento anal, eu não me senti particularmente glamuroso” (LaBruce, 2000). A pornografia não glamurosa ganha uma estampa glamurosa através da sua associação com a moda, de qualquer maneira.
      A cada vez mais próxima integração entre pornografia e fotografia de moda em relação a mulheres adultas não parece atrair muita revolta. Mulheres adultas, ao que parece, são o alvo certo para exploração sexual. Mas crianças são vistas como inocentes e merecedoras de proteção, então o movimento da moda em direção a pornografia com crianças tem causado sérias explosões de críticas negativas. A Rede de Conscientização de Mídia dos Estados Unidos documenta a jornada rumo à pornografia do designer bissexual Calvin Klein (Media Awareness Network, 2002). Klein ganhou notoriedade e vendas em 1980 quando usou Brooke Shields, então com 15 anos, como modelo e fez com que ela dissesse coisas como “Nada fica entre meus Calvins e eu”. Ele contribuiu significativamente naquela década com a evidente sexualização na propaganda de moda. Nos anos 1990 ele foi muito mais longe. Em uma campanha de 1995 ele usou modelos na puberdade em poses provocativas:
Em um desses anúncios, a câmera focava no rosto de um jovem rapaz, enquanto uma voz masculina por trás das câmeras o persuadia a tirar a camiseta, dizendo “Você é muito bonito. Quantos anos você tem? Você é forte? Você acha que poderia tirar essa camiseta de você? Este é um corpo bem legal. Você malha? Dá pra ver.” Em outro, uma jovem garota ouve que é bonita e para não ficar nervosa, enquanto começa a desabotoar as roupas.
(Media Awareness Network, 2002)
         De acordo com a Media Awareness, Klein insistiu que a campanha não era pornográfica e que os anúncios tinham a intenção de “transmitir a ideia de que o glamour é uma qualidade interna e que pode ser encontrada em pessoas comuns nos cenários mais ordinários; não é algo exclusivo a estrelas do cinema e modelos”.
      Parece improvável, entretanto, que Klein seja inocente da precisa similaridade entre seus anúncios e a pornografia infantil. Como um homem ativo na subcultura dos homens gays em Nova Iorque nos anos 1970/1980 (Gaines e Churcher, 1994) é provável que ele tenha se familiarizado com a pornografia, considerando sua grande importância na cultura gay masculina (Jeffreys, 2003). Em 1999 Klein seguiu adiante com uma campanha de uma linha de roupa íntima infantil na qual apareciam jovens crianças em roupas íntimas sorrindo para a câmera em um gigantesco painel publicitário na Times Square, bem como em anúncios de página inteira no New York Post. Os anúncios foram retirados após 24 horas.
        A revolta que foi manifestada em relação a campanha com pornografia infantil não desencorajou designers de usar imagens sexualizadas de crianças por seu valor chocante. Em 2001 modelos de apenas 9 anos foram usadas para mostrar a coleção de Stella Cadente em Paris vestindo “decotes generosos e bainhas altas” (Fitzmaurice, 2001). A “modéstia” de “crianças extremamente arrumadas”, nos disseram, “mal estava coberta por uma fina camada de material” (2001). Provavelmente não é coincidência que esse show de pornografia infantil venha “entre os anos mais magros da indústria da moda francesa” (2001). Pornografia e prostituição são indústrias de último recurso quando os tempos estão difíceis na economia. Modelos crianças foram usadas para modelar roupas de adultos pela designer italiana Mila Schon em 1999 e por Vivienne Westwood em 1997 (Fitzmaurice, 2001).
      Outro indicativo da maneira pela qual a indústria do sexo está sendo integrada em mais e mais áreas da vida social é a tendência do pole dance como uma rotina fitness (Tom, 2002). A mania começou em Nova Iorque e se tornou aeróbico com mulheres instalando poles em suas casas para se exercitarem. De acordo com a colunista do The Australian Emma Tom, “Pole dancing, mais conhecido como aula de ‘cardio strip’ está muito popular em academias de Nova Iorque e Los Angeles com celebridades como Heather Graham e Kate Moss recebendo aulas particulares. Fanáticas fitness bem conhecidas como Pamela Anderson e Goldie Hawn têm até poles instalados em seus quartos” (Tom, 2002). Pole dancing é usado em eventos de moda também. A supermodelo Elle MacPherson contratou strippers para lançar uma linha de lingerie em um clube de strip em Sydney em 2002. As modelos posaram enroscadas em poles (Tom, 2002).
        A distinção entre eventos de moda e performances da indústria do sexo é algumas vezes muito difícil de delimitar. A modelo australiana Pania Rose tem descrito seu desconforto por ter que performar um cenário pornográfico em um evento de moda (Rose, 2003). Na chegada do evento de moda ela descobriu que o show se chamava “Jeremy Scott’s Sexibition. Live peep shows”. Isso imediatamente fez com que ela se sentisse desconfortável porque ela não queria fazer pole dance. Ela descobriu que sua roupa era “muito reveladora. Eu acho que meu corset é na verdade um mini selim”. Ela teve que “me ajoelhar em feno e tentar ser ‘provocativa’... Mas após 15 minutos do show de 1 hora eu apenas me sentia degradada. Meus joelhos estão sangrando, meu top não está ficando no lugar e me sinto ridícula” (Rose, 2003, p. 18).
      Elle MacPherson é retratada nua com uma toalha estrategicamente posicionada em uma imagem, ou com fita adesiva sobre seus mamilos em outra, e nua coberta com algo similar a plástico em outra, em um website de supermodelos bonitas (Hot Supermodels, 2002). Existem muitos websites dedicados a mostrar supermodelos nuas. O site de Elle MacPherson carrega o anúncio: “Aumente seu pênis! Pílulas naturais para crescimento de pênis. Testado por médico e Aprovado! Sem Bombas! Sem Cirurgia!” É provável que os sites funcionem como um tipo de pornô leve para os visitantes. Para consumidores homens, os homens envolvidos na indústria da moda, na mídia dominada por homens, na objetificação da mulher na moda para a excitação masculina. Existem distinções começando a se desenvolver entre anúncios de moda pesados e leves que refletem as distinções entre o pornô pesado e leve.
        A relação simbiótica entre a fotografia de moda e a pornografia está se tornando tão próxima que parece possível que as revistas de moda que já mostram a moda em mulheres quase nuas e em poses sugestivas, irá em breve esperar que modelos se envolvam em atos sexuais para ensaios de moda. Tal desenvolvimento é pressentido no trabalho de um dos mais famosos fotógrafos de moda do momento, Terry Richardson, que é comparado a Helmut Newton em seu status mas reconhecido por ser ainda mais sexualmente explícito em sua abordagem. Richardson ganhou fama por ensaios de moda sexualizados nos anos 1990 e por epitomizar o pornô chic. Suas fotografias de moda para a marca Katherine Hamnett, por exemplo, incluíram imagens “nas quais os pelos pubianos das modelos eram visíveis por trás de suas saias curtas”, e Sisley, onde, memoravelmente, “a modelo Josie Moran espremeu leite da teta de uma vaca em sua boca” e ele “transformou Kate Moss, menos suas calcinhas, parecer uma garota de programa cansada” (O’Hagan, 2004).
     Richardson expandiu na produção de sua própria fotografia personalizada na qual ele é fotografado em atos sexuais com modelos e outras jovens esperançosas. Um jornalista do Observer o entrevistou sobre a exposição em Manhattan e a publicação de dois volumes glamurosos de centenas dessas fotografias. Uma amostra de fotografias é descrita da seguinte forma: “Terry sendo servido por duas gatinhas que poderiam, podem até ser, modelos. Aqui ele recebe um boquete de uma garota que, por alguma razão, está amarrada em uma mala com apenas a cabeça e a boca aberta para fora. E aqui ele está sendo estimulado oralmente por outra menina enfiada em uma lixeira” (O’Hagan, 2004). Richardson professa não usar pornografia e diz “Eu não gosto de explorar ninguém” (O’Hagan, 2004). Aparentemente “meninas...vêm batendo na porta” de seu estúdio para ser fotografadas em atos sexuais com ele. Richardson explica suas motivações dessa forma: “Eu era uma criança tímida, e agora sou esse homem poderoso com esse pau, dominando todas essas meninas” (O’Hagan, 2004). É provável que sua reputação seja tão considerável que jovens mulheres esperem ganhar alguma vantagem e talvez se tornarem modelos ou famosas ao segurar seu “pau”. Onde uma vez jovens mulheres tiveram que servir sexualmente homens para ganhar empregos na indústria da moda e do entretenimento, existe agora uma virada extra. Elas podem ter que ser fotografadas e exibidas também. Como homens como Richardson estão cada vez mais explícitos em ensaios de moda, não irá demorar muito até que anúncios que já existem em letreiros e revistas nos quais mulheres ajoelham em frente a homens como se estivessem para servi-los sexualmente exibam real felação.

      A pornografização da fotografia de moda em suas formas mais extremas pode não ter muito efeito sobre o que as mulheres vestem já que muitas não irão escolher ficar seminuas em suas vidas sociais ou profissionais. Entretanto, existem formas pelas quais isso produz um impacto negativo em mulheres em geral. Isso populariza o visual “vadia” e prostituta, saias muito curtas, botas, piercings para jovens mulheres. Isso faz com que parecer que você trabalha na indústria do sexo seja chique e dessa forma ajuda industriais do sexo a normatizar seus negócios de tráfico internacional de mulheres. A indústria do sexo vende roupas e a indústria da moda vende prostituição e pornografia.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

10 palavras para aposentar em 2017 - Feminist Current

Título original: 10 words to retire in 2017
Por: Susan Cox
Disponível em: http://bit.ly/2k82fEk
Tradução livre: Laryssa Azevedo

Como incluir menstruantes de todos os gêneros em nossas campanhas de saúde pública sobre menstruação!

É um novo ano e um assustador novo mundo. Nós tivemos que criar novas palavras em 2016 para descrever post-truth*, alt-right*, horrores do Brexit. E mesmo que tenhamos tentado atingir wokeness*, as coisas ainda foram pra o inferno.
Enquanto a conversação coletiva continua em 2017, ainda existem algumas velhas palavras e frases comumente usadas por progressistas que, a essa altura, estão causando mais mal do que bem. Aqui estão os 10 piores:

10) Full stop (ponto final): Isso é usado para preventivamente mandar as pessoas “calarem a boca” e basicamente significa, “Eu não consigo defender minha posição, então é melhor você não me perguntar mais nada sobre isso!”
Trabalho sexual não é universalmente explorador. Ponto final.


Eu realmente não dou a mínima de não ter ~humor barato~ envolvido. Um cara cis interpretando uma mulher trans é inerentemente violento. Ponto final.

LEGALIZE O TRABALHO SEXUAL. AGORA. FAÇA ISSO. PONTO FINAL.

9) Policing (patrulhando): Taaaantos novos tipos de “patrulha” foram inventados em anos recentes: “Patrulha da identidade”, “patrulha do corpo,” “patrulha do tom”... Esse uso da palavra coloca pessoas normais que criticam, analisam, ou “julgam” fenômenos sociais ou sistemas de poder (como feministas) em par com uma classe fortemente armada de soldados domésticos com o dever de manter a sociedade em ordem. Que sutil.

@gpdlondon @RealLucasNeff @caitlinstasey Vocês são novos nesse debate. Eduquem-se ou façam perguntas antes de falar besteira.
@MeghanEMurphy @RealLucasNeff @caitlinstasey e onde alguém pode obter um diploma em patrulhar as escolhas das trabalhadoras sexuais?

@sunshinessp411 @Dream_Brother_ @MeghanEMurphy Sou ateísta.
@JeanHatchet @Dream_Brother_ @MeghanEMurphy mulheres patrulhando corpos de outras mulheres não são #feministas

@FAIR4CA Você está na pornografia? Ou você apenas gosta de patrulhar moralmente outros corpos? Trabalho Sexual é discriminado na sociedade por causa de grupos como o seu
Não há nada de errado com fazer ou gostar de pornô com estupro. Parem de patrulhar a arte e parem de patrulhar nossos PENSAMENTOS #Kink #Fetiche

8) This (Isso): “Tão isso.” Sem ressentimentos, isso só realmente não adiciona nada na conversa...

7) Menstruators (Menstruantes): Essa palavra me lembra daquela ideia geral da ficção científica de que, no futuro, nós veremos que a linguagem cotidiana foi substituída por termos técnicos higienizados que parecem brutalmente utilitários. Como a “solução de cafeína” em Admirável Mundo Novo  de Huxley que substituía chá e café. Ou a desumana “ectogênese” que substituía o papel das mulheres na reprodução.
Em Sci-Fi, pessoas do futuro estão propensas a ter coisas como “tubos de indução de nutrientes” ao invés de comida ou “válvulas de liberação de prazer” ao invés de sexo. “Menstruantes” soa como se fossem exigir “cilindros de absorção endometrial” para seu “derramamento uterino periódico”.
O léxico de hoje soa mais e mais como alguma distopia tecnocrática construída sobre a exploração feminina, onde ao invés de uma “mãe” nós temos um “parente que gera” ou uma incubadora fetal contratada que serve como “suplente.” Ao invés do moralmente carregado termo “prostituição,” nós temos o perturbadoramente higienizado “trabalho sexual.” Parece que, em breve, ao invés de nos referirmos a classe política de “mulheres,” nós teremos apenas “pessoal com buraco na frente.”

Menstruantes em Nova Iorque começaram a #TwitteANota celebrando a revogação do imposto do absorvente – mas alguns ainda são cobrados
.
6) Cis/cisgênero: Essa palavra só é nojenta. Soa como um tumor.
Mas além de sua fonética desagradável, “cis” é também um insulto e prejudicial a mulheres. Mulheres que não alegam ter uma “identidade de gênero” especial são ditas como “cis.” Cis/cisgênero é definido como a identificação com o “gênero que lhe foi designado ao nascer.” Para mulheres, isso significa que elas supostamente se identificam com o gênero feminino – mais conhecido como os opressivos estereótipos que foram tradicionalmente associados com/impostos ao sexo feminino. Isso é, claro, bobagem. Ao nascer, é designado um papel de gênero a mulheres sinônimo de sua inferioridade e subordinação. Mas apenas porque uma mulher não alega ser nada além de uma mulher, isso não significa que ela “se identifica” com sua subordinação. Mulheres não estão nessa posição terrível só porque aconteceu de nossa personalidade ser a de cidadãs de segunda classe.
Palavra do dia: Cisgênero. Cis é Latim para “neste lado de.” Cisgênero se refere a pessoas que se identificam com o gênero designado ao nascer.

5) “All genders” (Todos os gêneros): Isso é apenas um código falsamente progressista para “inclui homens.” Não é sempre uma coisa ruim incluir homens, mas por favor, vamos parar de fazer rodeios sobre o que realmente queremos dizer.

Uma marcha para pessoas de todos os gêneros: Marcha de Mulheres sobre Washington: um guia sobre o evento social pós-inaugural
#TEARtalk A2.4 Outro exemplo: Prejudicar um homem porque ele não se encaixa na definição do agressor do que um “homem” deve ser.
@plainwildcatfan absolutamente! Violência de gênero não acontece apenas com mulheres. Afeta todos os gêneros. #16dias #TEARtalk
Nós operamos no Ulowa Women’s Resource and Action Center, onde todos os gêneros e identidades são bem-vindos!
Aborígenes de B.C. reivindicam a inclusão de todos os gêneros em  #investigaçãodemulheresassassinadas
Todos os gêneros devem estar incluídos no avanço das mulheres

4) Marginalizado: Hoje parece que “marginalização” é usada como sinônimo de “opressão.” Isso é parte de uma tendência problemática na qual políticas liberais populares têm distorcido e despolitizado o conceito de opressão e sua natureza sistêmica, substituindo por “marginalização.” Essa linguagem nos permite posicionar facilmente “exclusão” e falta de “visibilidade” como a principal fonte de problemas sociais, ao invés de opressivos sistemas de poder.
Mais uma vez pra galera do fundão: exclusão de trans é violência, especialmente quando é intencional.

Hoje é o primeiro dia da #SemanadeConscienciaAssexual! Aqui estão algumas informações para construir visibilidade #assexual.

Ao substituir “opressão” por “marginalização,” pressão material é colocada em par com ser excluído de conversas sobre opressão material. Essa é a lógica, por exemplo, por trás da recente resposta negativa contra a investigação do Canadá sobre mulheres indígenas desaparecidas e assassinadas (#MMIWG) sob alegação de que o foco nas mulheres “marginaliza” vítimas homens. Similarmente, essa estrutura leva à noção de que bissexuais (especialmente os em relacionamentos heterossexuais) são oprimidos mais do que homossexuais porque não são notados o suficiente (dessa forma marginalizados) pelo movimento por direitos dos gays e pela sociedade em geral.

“Muito frequentemente, bissexualidade é marginalizada no mundo em geral, em em comunidades LGBT”

Por essa lógica, populações que aparecem nas margens do que é normal ou legítimo podem ser consideradas oprimidas.
‘A confluência kink-poli: interseccionalidade no relacionamento em comunidades marginalizadas’
Em homenagem a uma das leituras que fizemos essa semana sobre sexualidade marginalizada eu vou me vestir como me visto para encontros BDSM na sala de aula

Essa linha de pensamento pode ficar super perigosa. Por exemplo, em sua influente teoria de opressão sexual apresentada em  Thinking Sex (Pensando Sexo) (1984), o filósofo Gayle Rubin identifica pedófilos (“apaixonados por meninos”) como um dos mais injustiçados grupos marginalizados entre minorias sexuais.
Diferente da opressão, marginalização não é sempre uma coisa ruim. Alguns grupos devem ser colocados à margem da comunidade, e suas ações vistas como inaceitáveis. Apesar dos esforços da mídia atual para promover pedófilos de forma simpática, desculpe, ninguém está comprando isso! Pedófilos devem ser marginalizados, estigmatizados e excluídos.

3) Matters (importa): Isso importa, aquilo importa, tudo importa! Felizmente, a tendência de cooptar com Black Lives Matter e tratar isso como um lema que se copia e cola para qualquer grupo social – Preencha-a-lacuna importa!” – decaiu, mas a palavra “importa,” em geral, mantém uma estranha proeminência na linguagem contemporânea. Na era da internet, definida por sobrecarga de informações, ninguém quer gastar tempo em algo que não é relevante – por que ler sobre determinado assunto a não ser que a manchete prometa que será dito “por que isso importa.”
Nós Explicamos Tudo O Que Você Deve Saber Sobre A Crise De Refugiados Na Síria – E Por Que Isso Importa

2) Corpos: Corpos marginalizados, corpos em perigo, corpos negros e pardos... Parce que todos os progressistas começaram a se referir a pessoas como se não fossem mais do que “corpos”
Mesmo que ele perca (e acredito que irá), Donald Trump já cometeu danos incalculáveis a América. Ele...
@RBReich Mas quando corpos negros/pardos/femininos/queer salvarem nosso país desse homem doido, não terão feito nem três vezes menos bem do que ele fez o mal.

 Eu acho que ele quis dizer “pessoas” ali...
Nós podemos sobreviver sem o apoio do GOP e do partido Democrata. Tais partidos não podem sobreviver sem o suporte de corpos negros e pardos.

Seriam os corpos usados como vigas de suporte literais?
O silêncio de homens cis sobre corpos queer sendo assassinados diz muito. O que eles realmente têm a dizer quando são eles mesmos que nos assassinam?

Eu pensei que eram pessoas  que eram assassinadas para então tornarem-se corpos?
Violência contra e exclusão de corpos femininos está ligada a violência contra e exclusão de corpos pobres

Eu nem sabia que corpos poderiam ter a propriedade física de ser economicamente pobres.
Para corpos Trans e Queer, Terapia de Massagem É Um Mundo De Dor – Largamente

Espera, como corpos têm uma orientação como “queer” ou “hétero?”

Esse uso da palavra “corpos” virou moda no discurso pós-moderno (muito por causa de Michel Foucault) e agora foi filtrado da academia para pensamentos online. O efeito tem sido objetificar certas populações ao invés de desafiar a objetificação, como era a intenção... Porque soa legal!

1) Folks (pessoal, galera): Desde a declaração de Obama “nós torturamos um pessoal” em 2014, parece que essa palavra explodiu no léxico liberal. E como Obama torturou, nada demais, “uma galera,” isso está sendo empregado para normalizar assuntos em particular ao adicionar uma aparência de familiaridade.
#bicommunitymeans casas para o pessoal bissexual, panssexual, omnissexual, biafeiçoado, birromântico, queer, polissexual e todos os outros não-monossexuais

É importante relembrar – nem todas as pessoas grávidas são mulheres: a galera trans e não binária também precisa de serviços de aborto.

Durante os debates presidenciais de 2016, muitos sentiram que os direitos da galera foram negligenciados.
@LesterHoltNBC, #AskAboutAbortion então podemos ouvir qual candidato promove liberdade e qual promove cadeia para a galera grávida #debates

Nós devemos lutar para dar fim a guerra dos republicanos ao pessoal
A guerra por direitos reprodutivos machuca mais pessoas e cor e o pessoal pobre. Legisladores ignoram a história.

Então aqui está! Deixe-nos saber se você concorda ou se existem outras palavras para as quais precisamos dar tchau em 2017.