quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

10 palavras para aposentar em 2017 - Feminist Current

Título original: 10 words to retire in 2017
Por: Susan Cox
Disponível em: http://bit.ly/2k82fEk
Tradução livre: Laryssa Azevedo

Como incluir menstruantes de todos os gêneros em nossas campanhas de saúde pública sobre menstruação!

É um novo ano e um assustador novo mundo. Nós tivemos que criar novas palavras em 2016 para descrever post-truth*, alt-right*, horrores do Brexit. E mesmo que tenhamos tentado atingir wokeness*, as coisas ainda foram pra o inferno.
Enquanto a conversação coletiva continua em 2017, ainda existem algumas velhas palavras e frases comumente usadas por progressistas que, a essa altura, estão causando mais mal do que bem. Aqui estão os 10 piores:

10) Full stop (ponto final): Isso é usado para preventivamente mandar as pessoas “calarem a boca” e basicamente significa, “Eu não consigo defender minha posição, então é melhor você não me perguntar mais nada sobre isso!”
Trabalho sexual não é universalmente explorador. Ponto final.


Eu realmente não dou a mínima de não ter ~humor barato~ envolvido. Um cara cis interpretando uma mulher trans é inerentemente violento. Ponto final.

LEGALIZE O TRABALHO SEXUAL. AGORA. FAÇA ISSO. PONTO FINAL.

9) Policing (patrulhando): Taaaantos novos tipos de “patrulha” foram inventados em anos recentes: “Patrulha da identidade”, “patrulha do corpo,” “patrulha do tom”... Esse uso da palavra coloca pessoas normais que criticam, analisam, ou “julgam” fenômenos sociais ou sistemas de poder (como feministas) em par com uma classe fortemente armada de soldados domésticos com o dever de manter a sociedade em ordem. Que sutil.

@gpdlondon @RealLucasNeff @caitlinstasey Vocês são novos nesse debate. Eduquem-se ou façam perguntas antes de falar besteira.
@MeghanEMurphy @RealLucasNeff @caitlinstasey e onde alguém pode obter um diploma em patrulhar as escolhas das trabalhadoras sexuais?

@sunshinessp411 @Dream_Brother_ @MeghanEMurphy Sou ateísta.
@JeanHatchet @Dream_Brother_ @MeghanEMurphy mulheres patrulhando corpos de outras mulheres não são #feministas

@FAIR4CA Você está na pornografia? Ou você apenas gosta de patrulhar moralmente outros corpos? Trabalho Sexual é discriminado na sociedade por causa de grupos como o seu
Não há nada de errado com fazer ou gostar de pornô com estupro. Parem de patrulhar a arte e parem de patrulhar nossos PENSAMENTOS #Kink #Fetiche

8) This (Isso): “Tão isso.” Sem ressentimentos, isso só realmente não adiciona nada na conversa...

7) Menstruators (Menstruantes): Essa palavra me lembra daquela ideia geral da ficção científica de que, no futuro, nós veremos que a linguagem cotidiana foi substituída por termos técnicos higienizados que parecem brutalmente utilitários. Como a “solução de cafeína” em Admirável Mundo Novo  de Huxley que substituía chá e café. Ou a desumana “ectogênese” que substituía o papel das mulheres na reprodução.
Em Sci-Fi, pessoas do futuro estão propensas a ter coisas como “tubos de indução de nutrientes” ao invés de comida ou “válvulas de liberação de prazer” ao invés de sexo. “Menstruantes” soa como se fossem exigir “cilindros de absorção endometrial” para seu “derramamento uterino periódico”.
O léxico de hoje soa mais e mais como alguma distopia tecnocrática construída sobre a exploração feminina, onde ao invés de uma “mãe” nós temos um “parente que gera” ou uma incubadora fetal contratada que serve como “suplente.” Ao invés do moralmente carregado termo “prostituição,” nós temos o perturbadoramente higienizado “trabalho sexual.” Parece que, em breve, ao invés de nos referirmos a classe política de “mulheres,” nós teremos apenas “pessoal com buraco na frente.”

Menstruantes em Nova Iorque começaram a #TwitteANota celebrando a revogação do imposto do absorvente – mas alguns ainda são cobrados
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6) Cis/cisgênero: Essa palavra só é nojenta. Soa como um tumor.
Mas além de sua fonética desagradável, “cis” é também um insulto e prejudicial a mulheres. Mulheres que não alegam ter uma “identidade de gênero” especial são ditas como “cis.” Cis/cisgênero é definido como a identificação com o “gênero que lhe foi designado ao nascer.” Para mulheres, isso significa que elas supostamente se identificam com o gênero feminino – mais conhecido como os opressivos estereótipos que foram tradicionalmente associados com/impostos ao sexo feminino. Isso é, claro, bobagem. Ao nascer, é designado um papel de gênero a mulheres sinônimo de sua inferioridade e subordinação. Mas apenas porque uma mulher não alega ser nada além de uma mulher, isso não significa que ela “se identifica” com sua subordinação. Mulheres não estão nessa posição terrível só porque aconteceu de nossa personalidade ser a de cidadãs de segunda classe.
Palavra do dia: Cisgênero. Cis é Latim para “neste lado de.” Cisgênero se refere a pessoas que se identificam com o gênero designado ao nascer.

5) “All genders” (Todos os gêneros): Isso é apenas um código falsamente progressista para “inclui homens.” Não é sempre uma coisa ruim incluir homens, mas por favor, vamos parar de fazer rodeios sobre o que realmente queremos dizer.

Uma marcha para pessoas de todos os gêneros: Marcha de Mulheres sobre Washington: um guia sobre o evento social pós-inaugural
#TEARtalk A2.4 Outro exemplo: Prejudicar um homem porque ele não se encaixa na definição do agressor do que um “homem” deve ser.
@plainwildcatfan absolutamente! Violência de gênero não acontece apenas com mulheres. Afeta todos os gêneros. #16dias #TEARtalk
Nós operamos no Ulowa Women’s Resource and Action Center, onde todos os gêneros e identidades são bem-vindos!
Aborígenes de B.C. reivindicam a inclusão de todos os gêneros em  #investigaçãodemulheresassassinadas
Todos os gêneros devem estar incluídos no avanço das mulheres

4) Marginalizado: Hoje parece que “marginalização” é usada como sinônimo de “opressão.” Isso é parte de uma tendência problemática na qual políticas liberais populares têm distorcido e despolitizado o conceito de opressão e sua natureza sistêmica, substituindo por “marginalização.” Essa linguagem nos permite posicionar facilmente “exclusão” e falta de “visibilidade” como a principal fonte de problemas sociais, ao invés de opressivos sistemas de poder.
Mais uma vez pra galera do fundão: exclusão de trans é violência, especialmente quando é intencional.

Hoje é o primeiro dia da #SemanadeConscienciaAssexual! Aqui estão algumas informações para construir visibilidade #assexual.

Ao substituir “opressão” por “marginalização,” pressão material é colocada em par com ser excluído de conversas sobre opressão material. Essa é a lógica, por exemplo, por trás da recente resposta negativa contra a investigação do Canadá sobre mulheres indígenas desaparecidas e assassinadas (#MMIWG) sob alegação de que o foco nas mulheres “marginaliza” vítimas homens. Similarmente, essa estrutura leva à noção de que bissexuais (especialmente os em relacionamentos heterossexuais) são oprimidos mais do que homossexuais porque não são notados o suficiente (dessa forma marginalizados) pelo movimento por direitos dos gays e pela sociedade em geral.

“Muito frequentemente, bissexualidade é marginalizada no mundo em geral, em em comunidades LGBT”

Por essa lógica, populações que aparecem nas margens do que é normal ou legítimo podem ser consideradas oprimidas.
‘A confluência kink-poli: interseccionalidade no relacionamento em comunidades marginalizadas’
Em homenagem a uma das leituras que fizemos essa semana sobre sexualidade marginalizada eu vou me vestir como me visto para encontros BDSM na sala de aula

Essa linha de pensamento pode ficar super perigosa. Por exemplo, em sua influente teoria de opressão sexual apresentada em  Thinking Sex (Pensando Sexo) (1984), o filósofo Gayle Rubin identifica pedófilos (“apaixonados por meninos”) como um dos mais injustiçados grupos marginalizados entre minorias sexuais.
Diferente da opressão, marginalização não é sempre uma coisa ruim. Alguns grupos devem ser colocados à margem da comunidade, e suas ações vistas como inaceitáveis. Apesar dos esforços da mídia atual para promover pedófilos de forma simpática, desculpe, ninguém está comprando isso! Pedófilos devem ser marginalizados, estigmatizados e excluídos.

3) Matters (importa): Isso importa, aquilo importa, tudo importa! Felizmente, a tendência de cooptar com Black Lives Matter e tratar isso como um lema que se copia e cola para qualquer grupo social – Preencha-a-lacuna importa!” – decaiu, mas a palavra “importa,” em geral, mantém uma estranha proeminência na linguagem contemporânea. Na era da internet, definida por sobrecarga de informações, ninguém quer gastar tempo em algo que não é relevante – por que ler sobre determinado assunto a não ser que a manchete prometa que será dito “por que isso importa.”
Nós Explicamos Tudo O Que Você Deve Saber Sobre A Crise De Refugiados Na Síria – E Por Que Isso Importa

2) Corpos: Corpos marginalizados, corpos em perigo, corpos negros e pardos... Parce que todos os progressistas começaram a se referir a pessoas como se não fossem mais do que “corpos”
Mesmo que ele perca (e acredito que irá), Donald Trump já cometeu danos incalculáveis a América. Ele...
@RBReich Mas quando corpos negros/pardos/femininos/queer salvarem nosso país desse homem doido, não terão feito nem três vezes menos bem do que ele fez o mal.

 Eu acho que ele quis dizer “pessoas” ali...
Nós podemos sobreviver sem o apoio do GOP e do partido Democrata. Tais partidos não podem sobreviver sem o suporte de corpos negros e pardos.

Seriam os corpos usados como vigas de suporte literais?
O silêncio de homens cis sobre corpos queer sendo assassinados diz muito. O que eles realmente têm a dizer quando são eles mesmos que nos assassinam?

Eu pensei que eram pessoas  que eram assassinadas para então tornarem-se corpos?
Violência contra e exclusão de corpos femininos está ligada a violência contra e exclusão de corpos pobres

Eu nem sabia que corpos poderiam ter a propriedade física de ser economicamente pobres.
Para corpos Trans e Queer, Terapia de Massagem É Um Mundo De Dor – Largamente

Espera, como corpos têm uma orientação como “queer” ou “hétero?”

Esse uso da palavra “corpos” virou moda no discurso pós-moderno (muito por causa de Michel Foucault) e agora foi filtrado da academia para pensamentos online. O efeito tem sido objetificar certas populações ao invés de desafiar a objetificação, como era a intenção... Porque soa legal!

1) Folks (pessoal, galera): Desde a declaração de Obama “nós torturamos um pessoal” em 2014, parece que essa palavra explodiu no léxico liberal. E como Obama torturou, nada demais, “uma galera,” isso está sendo empregado para normalizar assuntos em particular ao adicionar uma aparência de familiaridade.
#bicommunitymeans casas para o pessoal bissexual, panssexual, omnissexual, biafeiçoado, birromântico, queer, polissexual e todos os outros não-monossexuais

É importante relembrar – nem todas as pessoas grávidas são mulheres: a galera trans e não binária também precisa de serviços de aborto.

Durante os debates presidenciais de 2016, muitos sentiram que os direitos da galera foram negligenciados.
@LesterHoltNBC, #AskAboutAbortion então podemos ouvir qual candidato promove liberdade e qual promove cadeia para a galera grávida #debates

Nós devemos lutar para dar fim a guerra dos republicanos ao pessoal
A guerra por direitos reprodutivos machuca mais pessoas e cor e o pessoal pobre. Legisladores ignoram a história.

Então aqui está! Deixe-nos saber se você concorda ou se existem outras palavras para as quais precisamos dar tchau em 2017.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

[CAPÍTULO 3, PARTE 2] Beleza e Misoginia - Sheila Jeffreys (2005)

O CONSERVADORISMO DO CROSSDRESS

      Quando homens são “travestidos” a nua realidade da dominância masculina torna-se clara. Esse comportamento masculino surge do poder e privilégio dos homens e cria graves problemas para esposas. As esposas de crossdressers acham o comportamento dos homens profundamente perturbador e sofrem para manter seus casamentos porque terminar o casamento e tornarem-se mulheres pobres e solitárias parece, para muitas, uma alternativa pior. Como homens que se travestem tendem a ser conservadores em seus valores, assim são, ao que parece, suas esposas. As esposas se sentem traídas e usurpadas quando seus maridos de repente começam a reproduzir feminilidade. Peggy Rudd é a autora de My Husband Wears My Clothes  (Meu Marido Veste Minhas Roupas) (1999), que é um manual de instruções para as esposas infelizes de como podem reprimir sua apreensão e seus próprios interesses e servir generosamente a excitação de seus maridos. Ela diz que crossdressers provavelmente são homens tradicionais de muitas conquistas. Peggy absorveu a ideologia do movimento transgênero que esse interesse sexual masculino em particular é transgressor e revolucionário. Ela diz “Eu acredito que crossdressers são uma geração à frente da sociedade na evolução da verdadeira identidade de gênero” (Rudd, 1999, p. 25). Eles estão à frente, aparentemente, porque podem reproduzir tanto a feminilidade quanto a masculinidade. Porém sua prática não parece mudar muito o mundo quando examinada de perto.
      Rudd nos diz que crossdressers, “De dia, podem comandar uma corporação com centenas de empregados. De noite podem ver os traços positivos da feminilidade emergindo” (1999, p. 43). Esses homens mantém o status que a dominância masculina fornece a eles e podem aproveitar as excitações do masoquismo ao adotar roupas “de mulher” quando chegam em casa. Mulheres não estão em posição de estar tão “à frente”. Elas pouco provavelmente estarão comandando corporações em primeiro lugar, e não têm maridos devotados que irão carinhosamente frequentar sua secreta prática da masculinidade. Rudd descreve crossdresser como uma prática de travestilidade de fim de semana: “Após um final de semana se vestindo como mulher, seus pés a estavam matando e ela parecia ansiosa para voltar para casa para sua rotina de usar um terno de negócios, camisa engomada e sapatos confortáveis” (1999, p. 111). Peggy explica que, “Muitos crossdressers são muito bem sucedidos como homens” e mulheres podem ajudá-los em seu sucesso, como esposas têm tradicionalmente feito: “Eu conheço crossdressers que são pilotos, contadores, médicos, psicólogos e geólogos. Muitos são profissionais muito bem sucedidos (...) A esposa pode ajudar seu marido ao dar apoio em sua carreira e a cobranças que a carreira faz dele” (p. 120). “Para muitos crossdressers”, ela diz, “ser feminino é uma boa liberação das pressões sentidas no trabalho. Por causa disso, ser afeminado o ajuda a ter mais sucesso como homem” (p. 120). As esposas podem até mesmo, ela diz, ajudar seus maridos a exercer papéis de liderança em organizações de apoio a crossdressers. Peggy, e as esposas as quais ela aconselha, não parecem ter carreiras, bem sucedidas ou não. Elas são esposas tradicionais que apoiam as carreiras de seus maridos.
      Rachel Miller, que se identifica como um crossdresser heterossexual e um homem de família bem casado, cristão, orgulhosamente afirma o conservadorismo dos crossdressers, “Eu descobri bem educados, brilhantes, atenciosos, espirituais homens de família que compartilham sentimentos similares. Eram tantos de nós que éramos cidadãos sólidos de acordo com qualquer definição razoável, que era inconcebível que pudéssemos ser todos pervertidos” (Miller, 1996, p. 54). Ele, como muitos crossdressers, é firme em não ser visto como transsexual ou homossexual. Ele não é um pervertido. É um quebra-cabeças que a prática desses homens seja interpretada como transgressora ou revolucionária pelo movimento transgênero quando é tão americano médio. Peggy Rudd estima que o número de homens que fazem crossdress nos Estados Unidos seja 15 milhões. Se isso estiver correto então não é uma atividade de minorias mas uma mera parte dos valores tradicionais da família americana. É designado que mulheres sejam femininas mas homens podem ser masculinos para ganhar dinheiro e status, e femininos em casa quando suas esposas servem suas fantasias sexuais de masoquismo e fornecem uma audiência. A prática da feminilidade por homens mantém o sistema de dois gêneros e dessa forma firmemente mantém a dominância masculina em seu lugar ao invés de exterminá-la.

O EFEITO NAS ESPOSAS

      Peggy usa sua fé cristã para permitir que sacrifique seus interesses  para servir a excitação sexual do marido. Em abnegação ela diz “Eu sabia que era errado julgar meu marido” (Rudd, 1999, p. 54). Entretanto sua motivação parece ser a falta de alternativa para uma mulher de meia-idade cujos interesses sempre foram subordinados aos do marido. O conselho que ela dá em sua “Carta aberta à esposa de um crossdresser” torna claro o motivo pelo qual é difícil para uma mulher simplesmente ir embora: “Deixe-me dizer enfaticamente que a grama não é mais verde do outro lado da cerca. É um mundo de homens lá fora (...) A vida não é fácil para uma mulher sozinha” (Rudd, 1999, p. 69). As oportunidades para mulheres no mundo fora de seus casamentos são restritas pela dominância masculina mas é um mundo de homens dentro de seus casamentos também, no qual é exigido que sirvam os interesses sexuais de seus maridos não importando o quão perturbadores elas os achem.
      Uma dificuldade das esposas é que seus maridos, após “sair do armário” como crossdressers, apenas façam sexo quando vestidos com roupas de mulher e esperem que suas esposas se refiram a eles como mulheres. As esposas não necessariamente querem ser “lésbicas” como são chamadas, apesar de a real experiência do lesbianismo seja bem diferente de ser forçada a se relacionar com um homem de vestido. É exigido de esposas que abandonem seus próprios desejos sexuais, que provavelmente erotizam a subordinação feminina e responder a dominância masculina já que essa é a forma para a qual mulheres são treinadas para ser sexualmente e essas mulheres são conservadoras em seus gostos (ver Jeffreys, 1990). Seus maridos não exercem mais a dominância masculina no quarto ou ao cortejar suas esposas mas esperam que elas se ajustem para servir sua nova “feminilidade”. Uma carta à Peggy mostra até onde uma mulher pode ser preparada para ir para superar seus próprios interesses e continuar a servir seu marido:
Estou fazendo todo o possível para ajudá-lo. Por exemplo, quando ele volta do trabalho para casa após um dia cansativo, suas roupas femininas já estão prontas para ele (...) Eu sei em meu coração que ainda há espaço para melhorar minha atitude (...) Ele precisa de algum tipo de adereço para ficar excitado sexualmente (...) ele precisa estar vestindo algum tipo de roupa feminina quando fazemos amor (...) Eu não sou lésbica. Eu não gosto que me façam sentir como uma.
(Rudd, 1999, p. 59)
      Até mesmo Peggy acha o papel sexual invertido esperado dela pela nova persona de seu marido muito difícil. “Esposas”, ela diz, “têm dito que se sentem traídas sexualmente. Em nosso relacionamento isso foi verdade. Uma vez que Melanie chegou não havia mais como fazer amor com Mel (...) Descobrir que eu teria que fazer amor com Melanie foi realmente o grande choque” (1999, p. 118). Crossdressers cujas esposas não são coniventes, provavelmente, ao que parece, gritam e batem nelas. Peggy aconselha maridos contra esses comportamentos se querem que suas mulheres aceitem suas práticas (p. 81) – ela faz com que as esposas se sintam culpadas ao dizer a elas “se ela resiste ao desejo do marido de fazer crossdress ela pode experimentar uma dor insuportável. O desejo pelo crossdress não vai embora. Não há cura!” (p. 81) Dessa forma as esposas devem aceitar.
      O papel feminino sob a dominância masculina requer muitas variedades de serviço a homens; isto é, trabalho doméstico e cuidado de crianças, trabalho emocional e serviço sexual, bem como a performance da feminilidade para a excitação do homem. Os crossdressers apenas querem a parte da “feminilidade” no papel feminino e não fazem isso para o prazer das mulheres, muito pelo contrário. Dessa forma, esposas reclamam que seus maridos passam horas se arrumando enquanto elas fazem o trabalho doméstico como sempre. Peggy registra o que chama de um comentário parafraseado de esposas que ela frequentemente ouve “Ele diz que quer ser feminino e lindo, então se arruma na frente do espelho enquanto eu limpo a casa. Ele sai do quarto parecendo a Miss América e eu pareço com uma mulher que aparece no comercial de Ajax” (Rudd, 1990, p. 76).
      Outra grande dificuldade que as esposas têm de enfrentar é o fato de que seus maridos usurparam seu papel. As esposas foram treinadas desde a infância para exercer a feminilidade e podem sentir que dominam esse comportamento muito bem. Elas esperam as recompensas que vêm com isso, tais como serem tratadas romanticamente pelo marido “masculino”. Isto é, afinal, como a heterossexualidade tradicional deveria funcionar. Mas quando o marido começa a fazer crossdress ela está em risco de perder seu senso próprio e papel na vida. Peggy explica, “Eu tenho ouvido sobre esposas se sentindo invejosas quando o marido sai do closet mais bonito que ela” (Rudd, 1999, p. 122). Charles Anders diz que uma de suas parceiras mulheres “queria ser ‘a menina do relacionamento’ e eu tive medo de usurpar seu lugar” (Anders, 2002, p. 132). “Feminilidade” pode ser uma perda de tempo e entediante mas provavelmente é, após uma vida inteira de trabalho, a base da identidade da mulher e de seus sentimentos de valor próprio. Quando o marido o faz melhor ela perde o significado de sua existência. Ela se torna supérflua, e a prática da feminilidade na qual ela esteve envolvida durante toda a vida pode parecer vazia. Após 50 anos de feminilidade ela pode se perguntar sobre o sentido de tudo isso. As gratificações que a feminilidade deveria trazer desaparecem enquanto “Ela pode imaginar a vida sem mais jantares românticos com danças e sem mais noites fora com o homem de sua vida” (Rudd, 1999, p. 119). Algumas esposas, de acordo com Peggy, sofrem com humilhação extra por ver seus maridos continuarem a fazer o papel masculino na relação com outras mulheres na vida social ou profissional enquanto a esposa têm de lidar com calcinhas da Fredericks of Hollywood. Isso pode parecer muito injusto.

TRANSFEMINILIDADE – TRANSGREDINDO OU MANTENDO O GÊNERO?

      Mulheres não estão, como homens, em posição de “escolher” a feminilidade. Ela é forçada nas mulheres e uma marca de seu status inferior. Não é um brinquedo sexual para mulheres e sim a maneira pela qual é exigido que modelem seus corpos, suas emoções e suas vidas. Não é fácil ou mais “natural” para mulheres aprender as práticas de feminilidade do que é para homens. Meninas aprendem que devem se envolver em tais práticas enquanto, geralmente na adolescência, entendem que devem ser “femininas” e desistir de atividades de garoto em favor de sentar discretamente e esconder seus músculos. Carole Bouquet, a face francesa da Chanel no final dos anos 1990 e atriz de filmes, descreve o início da “feminilidade” como algo difícil que de repente acontece e interrompe sua carreira como tomboy, “Ela era uma tomboy com cabelo curto. Sua feminilidade apenas apareceu, ela diz, na adolescência, e então ela se sentia estranha sobre isso – uma massa de autoconsciência e nervos” (Swain, 1998, p. 6). A feminilidade é representada como algo natural que se sobressai através da camada de jeito de garoto. O resultado de passar por essa transição é que ela é descrita por homens como o que escreveu seu perfil como alguém que exerce “magnetismo” sobre homens e “ela pode ser selvagem e sofisticada, ostentosa e austera”. Para ser “magnética” ela teve que parar de subir em árvores e andar de bicicleta.
      Muitas lésbicas relatam sobre ter sido tomboys na juventude, mas também a maioria das mulheres que acabam sendo heterossexuais (Rottnek, 1999). O processo de transição entre a condição na qual uma menina pode brincar com meninos, usar seu corpo forte em atividades físicas e não pensar sobre a própria aparência para a “feminlidade” na qual ela deve aprender a andar em sapatos que deformam e roupas que a apertam e constantemente pintar e checar o rosto para ter certeza de que o rímel está intacto, é algo agressivo e propenso a causar, como causou a Bouquet, “autoconsciência e nervos”. Suas mães, revistas para meninas e mulheres, e suas amigas, as treinam e há muito o que aprender. Meninas têm estúdios de transformação também, mas estes provavelmente são os quartos de parentes e amigas ao invés de  estabelecimentos comerciais acessados via internet. Meninas têm de praticar a feminilidade até que pareça “natural” para criar a “diferença sexual”.
      Apesar de a nua realidade da dominância masculina parecer claramente revelada pelo exame da transfeminilidade, a prática tem sido apoiada e até proclamada progressiva na última década pelos pesos pesados da teoria queer. A maior diferença entre o projeto de gênero queer e o feminista está no que deve ser feito com o gênero após a revolução. Teóricas feministas como Monique Wittig (1996), Janice Raymons (1994), Catharine MacKinnon (1989), esperam que o gênero seja abolido, ou simplesmente inimaginável em um futuro igualitário. As estrelas da teoria queer, por outro lado, procuram manter o gênero com o objetivo de obter excitação sexual. Uma delas é a teórica queer Judith Halberstam.
      Judith Halberstam promove o valor da “masculinidade feminina” e do direito das mulheres de acessarem este, na visão dela, bem social. Halberstam não faz uma análise política que a permitiria ver que a masculinidade é produto da dominância masculina, na verdade ela repudia tal noção e diz que homens pode, fazem, e têm historicamente feito isso tão bem quanto homens. Ela odeia a feminilidade, entretanto, e é muito consciente do quanto as vidas de jovens mulheres são reduzidas e oprimidas por essa aquisição. O único propósito que ela vê para a feminilidade é sexual: “Me parece que pelo menos no início da vida, meninas podem evitar a feminilidade. Talvez a feminilidade e seus acessórios possam ser escolhidos mais adiante, como um brinquedo sexual ou um penteado” (Halberstam, 1998, p. 268). Pat Califa é outro expoente da masculinidade feminina que argumenta que “gênero” deve ser mantido como um brinquedo sexual (Califa, 1994). A prática de Califa da masculinidade começou no sadomasoquismo mas agora se estendeu para o transsexualismo e ela se renomeou como Patrick. A teórica transgênera e ativista Kate Bornstein argumenta que o sadomasoquismo em si é a mais extrema e excitante maneira de fugir da diferença de poder entre gêneros (Bornstein, 1994).
      A teoria queer tem, compreensivelmente, sido utilizada para apoiar a prática da feminilidade por homens. No fim das contas tanto teóricos queer que promovem o transgenerismo quanto os homens que acessam o pornô travesti na internet têm um interesse parecido no “gênero”. Eles estão todos interessados em absorver a performance do comportamento de gênero em suas excitações sadomasoquistas. A feminilidade é excitante porque é o comportamento de subordinação que não pode ser preservado.
      Ao final deste capítulo cabe retornar aos pensamentos de Janice Raymond que fornece as ferramentas para a análise feminista do transsexualismo em The Transsexual Empire (1994). Ela explica o motivo pelo qual a análise do transsexualismo é tão útil para feministas, dizendo que coloca “estereótipos de gênero no palco (...) para que todos vejam e examinem em um corpo de natureza diferente” (Raymins, 1994, p. 184). Mas, ela diz, é possível descuidar do fato “de que esses estereótipos, comportamentos, e descontentamentos de gênero são vividos todos os dias por corpos ‘nativos’ (...) eles deviam ser confrontados na sociedade ‘normal’ que criou o problema do transsexualismo para começar” (p. 185). O resto deste volume se concentra no problema da feminilidade no que Raymond chama de corpos “nativos” 

[CAPÍTULO 3, PARTE 1] Beleza e Misoginia - Sheila Jeffreys (2005)

TRANSFEMINILIDADE

      Homens “montados” revelam a nua realidade do poder masculino.

      Práticas de beleza e feminilidade caminham juntas mas não são essencialmente propriedades das mulheres. Neste capítulo eu analiso a feminilidade praticada por homens para iluminar os significados culturais desse comportamento. O fato de que homens podem ser expoentes mais ardentes da prática da feminilidade do que mulheres tem se tornado mais claro em décadas recentes conforme a profissão médica, a pornografia e a internet espalharam um culto massivo à feminilidade entre homens na forma do transsexualismo, transgenerismo e travestismo. Feminilidade é sexualmente excitante para homens que a procuram porque representa status subordinado e dessa forma satisfaz interesses sexuais masoquistas. A feminilidade masculina é bem diferente da feminilidade que é uma exigência do status subordinado das mulheres, porque as mulheres não escolhem a feminilidade mas tem que se curvar a ela. Feminilidade não é uma forma de fantasia sexual para mulheres mas sim o difícil e frequentemente ressentido trabalho requerido daquelas que ocupam o status social subordinado. Entretanto as formas que a feminilidade aparente tomam são bastante similares em ambos os casos e as práticas de beleza são idênticas. Enxergar o que homens fazem dela irá mostrar que a feminilidade, ao invés de ter qualquer conexão com biologia, é socialmente construída como o comportamento de subordinação.

DEFINIÇÕES DE TRAVESTISMO/TRANSSEXUALISMO
      A prática da “feminilidade” por homens tem sido, e ainda é largamente definida e corroborada pela medicina. Sexólogos do século XIX deram nomes e diagnósticos para comportamentos que não se encaixavam nas compreensões de masculinidade e feminilidade “corretas” (Jeffreys, 1985). Eles estavam envolvidos em controle social do comportamento desviante que era visto como ameaça à família heterossexual que está na base da dominância masculina. No século XX esses comportamentos “anormais” se tornaram domínio da psiquiatria. Até recentemente a medicina tem tendido a afirmar que existem claras e identificáveis diferenças entre travestis, que simplesmente gostam de se vestir com roupas femininas ocasionalmente e transexuais, que querem viver como mulheres. A criação dessa distinção foi necessária para que médicos pudessem identificar os que mereciam cirurgia e os que não eram entendidos como transexuais “reais”. Transexuais foram identificados como os que sofriam de uma condição médica de transtorno de identidade de gênero no qual se consideravam mulheres e isso foi explicado como uma primariamente biológica, ou ao menos uma distinta e essencial, condição.
      Feministas construcionistas sociais não aceitaram essa explicação biológica. Na primeira e ainda assim mais compreensiva crítica feminista à construção da medicina do fenômeno do transexualismo (publicada primeiramente em 1979), Janice G. Raymond explica que a “causa primeira” do fenômeno é a ideia política de que devem haver dois gêneros distintos que fundam a sociedade patriarcal (Raymond, 1994). Ela enxerga transsexualismo como uma construção da ciência médica feita para atingir três propósitos: lucro para cirurgia, experimentações com objetivo de se dominar a construção de partes do corpo e propósito político de alocação em categorias aceitáveis de gênero dos rebeldes de gênero que são vistos como perturbando o sistema de dois gêneros da dominância masculina. O transexual, ela argumenta, simplesmente troca um estereótipo pelo outro e dessa forma reforça o tecido social sexista. Transsexualismo, nesta análise, é profundamente reacionário, uma forma de prevenir a ruptura e eliminação de papéis de gênero que estão na base do projeto feminista, e “A solução médica transforma-se em um ‘tranquilizador social’ reforçando o sexismo e sua fundação de conformidade com o papel sexual” (Raymond, 1994, p. xvii).
      A crítica feminista não tem, infelizmente, feito com que os sexólogos parem de dominar e reforçar as categorias de transfeminilidade. A distinção que sexólogos fazem entre travestismo e transsexualismo tem sofrido uma grande tensão no tempo da Internet com materiais, grupos e revistas na web espalhando uma proliferação de práticas e fronteiras rompidas (McCloskey, 1999). Os que podem uma vez ter se classificado como travestis – ou seja, homens heterossexuais que permanecem com suas esposas e ocasionalmente se travestem para seu prazer – agora podem ter acesso a hormônios e  mais facilmente passar para o transsexualismo. Alguns desses homens agora dizem a médicos que querem ser metade transsexuais, ganhando seios mas mantendo seus pênis (Blanchard, 1993). Eles então retém a habilidade de experienciar a excitação do masoquismo associada a ter seios, através de seus pênis. O aumento de seios, ou ginecomastia, pode ser alcançado por meio de tratamento hormonal.
      Apesar de alguns crossdressers sustentarem que existe uma clara distinção porque eles não querem ser tentados pela homossexualidade, outros ficam felizes em dizer que existe uma pequena diferença. Charles Anders, autor de The Lazy Crossdresser (2002), nos diz que existe uma diferença bem pequena entre crossdressers e transsexuais, “Existe uma piada comum na comunidade transsexual: ‘Qual a diferença entre um crossdresser e um transexual? Dois anos.’ Às vezes a parte final é ‘um ano’. Muitos, talvez a maioria de transsexuais homem-para-mulher começam como crossdressers, então tendem a ver travestis como seu estado larval” (Anders, 2002, p. 5). Peggy Rudd, autora de um manual de instruções para esposas de crossdressers, cita uma pesquisa na qual crossdressers foram perguntados se fariam cirurgia se pudessem pagar (Rudd, 1999, p. 91). Aparentemente 24% “deixaram a questão em aberto” e o que determinou sua resposta foi quanto apoio têm de duas esposas e famílias para ser crossdressers; isto é, nada a ver com se eram “realmente” mulheres. Rudd diz, “Então mulheres devem aceitar ou homens farão cirurgia” (1999, p. 91). Biologia não é vista como tendo muito a ver com isso. Os homens estão fazendo escolhas sobre o quão longe querem ir.
      Nos anos 1990 um movimento transgênero surgiu no qual homens e algumas mulheres alegaram que a operações de ressignificação de gênero não eram necessárias àqueles que “transicionaram” de um “gênero” para outro (Bornstein, 1994; Raymond, 1994) porque eles poderiam ser transgêneros em suas mentes, e por assumir a aparência do gênero oposto enquanto mantinham suas partes do corpo intactas. A vasta maioria dos que agora estão sob o guarda-chuva de políticas “transgênero”, entretanto, fizeram cirurgia ou tomam hormônios para que seus corpos mudem de alguma forma. Alguns ativistas transgêneros alegam que sua prática era revolucionária porque estavam mostrando que “gênero” era socialmente construído ao invés de “natural” ao adotar o gênero feminino como fisicamente inteiramente homens biologicamente e vice versa. De fato, como eu argumentei em outro lugar, a ideia de “gênero” transitando é essencial ao reforçar a necessidade da feminilidade e masculinidade (Jeffreys, 1996). Bernice Hausman (2001) fornece uma crítica efetiva ao que ela vê como defesa “queer” do transsexualismo como atividade revolucionária que transgride o gênero. Ela diz que Kate Bornstei e outros teóricos queer da prática:
      Sugerem um certo essencialismo de gênero: que gênero como uma forma de organização identitária é central para o projeto humano, que cada indivíduo tem um gênero ou acredita em si como um gênero, ou que o gênero em alguma tendência (como binário ou plural) é necessário para ou ao menos inevitável parte do tecido social.
(Hausman, 2001, p. 473)
      Feministas que querem destruir o gênero, porque o enxergam como um produto da dominância masculina, não “transicionam” de gênero, elas simplesmente passam por cima dele. Transgêneros são tão apegados a noção de gênero, mesmo que de um diferente do que vieram, que gastam enormes quantias de tempo, energia e dinheiro para obter seu gênero escolhido. Políticas transgênero são fundamentalmente conservadoras, dedicadas a reter os comportamentos das classes dominante e subordinada da supremacia masculina – masculinidade e feminilidade.
      O movimento transgênero pede por reformas legais, médicas e sociais e para ser isento de análise política, sobre a base de que transgêneros são uma maltratada minoria biologicamente distinta. Como minoria, argumenta a organização americana, Aliança Nacional de Advocacia Transgênera (NTAC), eles sofrem:
      Injúria, perda de emprego, dificuldade de ser recontratados, perda de seguro, divórcio e perda da visitação dos filhos, ligações telefônicas obscenas e outros tipos de violência de ódio, rejeição dos pais e irmãos, corte em lugares de adoração, aborrecimentos causados pela polícia entre outros.
(Aliança Nacional de Advocacia Transgênera, 2000)
      NTAC faz campanha para que homens que “se constroem mulheres” (MTFs) e mulheres que “se constroem homens” (FTMs) sejam capazes de ter casamentos “gay” e não ter que revelar seu status genital para ser legalmente aceitos como membros de seu “gênero” escolhido, ou seja, tomar hormônios sem cirurgia é suficiente.
      Por trás da escolha pela feminilidade por parte de homens está sua fascinação por exercer o papel subordinado de “mulher” para a satisfação sexual masoquista que isso oferece. Para um numero que crescente de homens, a julgar pela pornografia, sites, lojas e serviços que os servem, os comportamentos e privilégios da feminilidade são um tipo de brinquedo sexual. Neste capítulo eu analiso esses recursos da internet para mostrar que as práticas masculinas de feminilidade não são sobre ser “mulheres” mas sobre adotar os comportamentos prescritos socialmente para o grupo subordinado para aproveitar a satisfação sexual masoquista. Eu argumento aqui que o transgenerismo por parte de homens precisa ser entendido como originado em uma fantasia sexual socialmente construída ao invés de um constituinte de condição biológica. Travestismo, transsexualismo e transgenerismo podem ser vistos como sendo práticas sexuais ao invés de tornar aqueles criados como “homens”, “mulheres”. De fato ser criado como “homem” pode ser uma precondição necessária a prática da feminilidade por homens. Eles perseguem a “feminilidade” porque ela representa a oposição subordinada à masculinidade e oferece os prazeres do masoquismo. Essa busca pode ter significado apenas para homens que entendem que seus prazeres masoquistas se dão em contradição a seu status masculino. Masculinidade produz o comportamento “feminino” de homens ao invés de estar em contradição a ele.
      Existe um certo apoio da medicina à compreensão da prática da feminilidade por homens como uma fantasia sexual. Ray Blanchard, um psicólogo no Instituto Clarke em Toronto, um dos dois lugares que realizam cirurgia transsexual no Canadá, cunhou o termo “autoginofilia” para descrever “a propensão do homem a ser excitado sexualmente por pensar em si mesmo como uma mulher” (Blanchard, 1989, p. 616). Blanchard desenvolveu pesquisas com homens que foram à clínica reportando disforia de gênero e procurando por cirurgia transsexual. Ele, de certa forma arbitrariamente, divide esses homens em heterossexuais e homossexuais de acordo com o objeto primário de seu interesse sexual. Disfóricos heterossexuais são homens que procuram permanecer com suas esposas ou parceiras mulheres e estão propensos a definir a si mesmos como “lésbicas” se fizerem a cirurgia. Homossexuais ou androfílicos disfóricos de gênero são aqueles que são sexualmente atraídos por homens e permanecem dessa forma se realizam a cirurgia. Os homens que se identificam como heterossexuais são colocados em categorias de “autoginófilos” Os que procuram cirurgia transsexual exibem a forma mais extrema do comportamento autoginófilo. Eles são excitados sexualmente pela fantasia de si mesmos em corpos femininos.
      Em formas menos extremas, autoginófilos se excitam sexualmente por coisas como vestir roupas “de mulher” ou envolver-se em atividades “de mulher”. Em um caso que Blanchard descreve o homem teve “fantasias masturbatórias iniciais” ao “ajudar a empregada a limpar a casa ou que estava sentado em uma aula de meninas na escola (...) suas atuais fantasias masturbatórias eram fazer tricô em companhia de outras mulheres e estar no salão de beleza com outras mulheres” (Blanchard, 1991, p. 236). Outro paciente “ficou sexualmente excitado ao depilar as pernas e contemplar o resultado” (p. 237). A infindável corrente de relatos autobiográficos de suas motivações por crossdressers orgulhosos que tem sido publicada nos últimos anos torna claro que a excitação sexual é o que os motiva (McCloskey, 199; Anders, 2002; Miller, 1996). O crossdresser heterossexual “Rachel Miller” escreve “Se homens percebem algo como sexy em uma mulher, por que não poderiam ver isso como sexy em si mesmos? Parece razoável para mim” (Miller, 1996, p. 55). Isso parece razoável para mim também, que homens também podem projetar as roupas e o comportamento que representa a subordinação de mulheres para sua excitação, ou pegar um atalho no processo ao adotar isso em si mesmos. Ele entende que mulheres representam “sexo” e o que é “sexy”, perguntando “Querer ser sexy é algo exclusivo para mulheres?” (p. 55).
      Mas essa compreensão, de que o interesse masculino pelos enfeites da posição subordinada da mulher é sexual, é controversa. Muitos transsexuais homem-para-mulher e seus profissionais médicos rejeitam isso porque consideram desrespeitoso a sua experiência. A medicina tem encorajado transsexuais a desenvolver complicadas histórias sobre como eles sempre souberam que eram mulheres presas em corpos masculinos. As histórias orais requeridas são modeladas pelas histórias dadas por homossexuais homens para sexólogos no final do século XIX e no início do XX (Weeks, 1977). Os “invertidos” entrevistados por Havelock Ellis, por exemplo, eram identificados como pessoas que, por algum processo misterioso, tinham cérebros de mulher aprisionados em corpos de homem (Ellis, 1913). Naquele tempo a homossexualidade era entendida como biologicamente determinada por uma falha no desenvolvimento sexual. Homossexuais homens eram vistos como essencialmente femininos e lésbicas como essencialmente masculinas. Cirurgia transsexual não estava disponível. Quando tal cirurgia se tornou disponível nos anos 1950, histórias de ter uma alma de mulher em um corpo de homem foram interpretadas como critério para diagnosticar uma nova categoria de pessoa construída pela ciência médica, o transsexual.
      Aspirantes a cirurgia transsexual no presente têm de contar a história correta, como de ter sentido que eram “realmente” mulheres desde que eram crianças pequenas, para que se determine que merecem a cirurgia: para ser vistos como os “reais” (Jeffreys, 1990). Entretanto alguns homens têm ficado impacientes com o controle da medicina. Eles querem cirurgia sob demanda e não ter que inventar histórias para merecer. Donald (Deidre) McCloskey diz que teve que “mentir” para os médicos, para se encaixar na história requerida para que obtivesse a cirurgia. Mas ele desdenha as tentativas da medicina de manter o controle. Sua atitude era “Oh, sim, doutor, qualquer coisa que sua lista diga” (McCloskey, 1999, p. 145). Ele cita em apoio a este conteúdo a declaração de Pat (agora Patrick) Califa de que a cirurgia deveria ser um “direito inalienável” e transsexuais não deveriam ter que recitar um catálogo de sintomas (2002, p. 144).
      Nem os médicos que acreditam que existem transsexuais “reais”, nem os transsexuais que querem a cirurgia têm procurado ver o transsexualismo como uma simples forma de desvio sexual derivado do desejo por excitação sexual masoquista. Em alguns países a cirurgia transsexual está disponível em planos de saúde do Estado ou privados sob os argumentos de que isso é um tratamento necessário para a doença de ter uma mente de sexo diferente do corpo no qual reside. Se o transsexualismo é entendido como uma forma de fantasia sexual então os planos de saúde não pagariam. Como resultado muitos transsexuais e seus grupos ativistas rejeitam a noção de que o transsexualismo é sobre qualquer outra coisa que não homens “realmente” sendo mulheres.
      A pesquisa de Blanchard dividiu a rede transsexual internacional. Um influente homem-para-mulher, Anne Lawrence, psicoterapeuta, acredita que o conceito de Blanchard de autoginofilia caracteriza sua experiência muito bem, e também a de centenas de outros MTFs, muitos dos quais têm sua história em seu site (Lawrence, acessado em 2002) Lawrence enxerga a si mesmo como um dos membros do grupo heterossexual “que são atraídos por mulheres, que tiveram bastante sucesso como homens, e que não parecem notavelmente femininos”. Que força, ele pergunta, poderia ser poderosa o suficiente para fazer com que tais homens “desistissem de seu lugar no mundo”; ou seja, dominante status masculino. Isto é, ele concorda com Blanchard, “desejo sexual - nosso desejo sexual de feminilizar nossos corpos”. Outros MTFs tem sido menos intensos sobre autoginofilia. “Dr. Becky” diz que o conceito pode ser usado para apoiar a ideia de que transsexuais são apenas envolvidos em uma escolha de estilo de vida e isso poderia “negar nossa validade” e criar “mais dúvida e culpa”. Se o conceito de autoginofilia fosse aceito poderia ser mais difícil obter cirurgia já que  transsexuais poderiam der vistos com “mais ceticismo”. Poderia haver menos chance de proteção legislativa dos direitos dos transgêneros e poderia ser mais difícil fazer com que planos de saúde cobrissem o processo de transição (Dr. Becky, 1998).
      Muitos transsexuais, como Dr. Becky, frisam que sua decisão de ser cirurgicamente mutilados não foi resultado de um desejo sexual mas de uma condição biológica. Lawrence responde a esse ponto dizendo que certamente a vasta maioria dos transsexuais heterossexuais começam com poderosa excitação sexual com relação a ser uma mulher, mas quando chegam ao ponto da cirurgia, isso pode ter se aquietado virando algo que apenas parece natural e não é mais tão urgentemente excitante. Donald McCloskey apoia essa noção ao afirmar que no momento em que decidiu que não seria apenas um crossdresser heterossexual mas queria “transicionar,” “A parte sexual começou a sumir, algo novo em seu crossdressing, que ele não notou” (McCloskey, 1999, p. 20). Lawrence também aponta que grandes porcentagens, até um terço, dos homens classificados por Blanchard como andrófilos (que se relacionam com homens sexualmente antes e depois da cirurgia) também têm histórias de achar os trajes femininos e a ideia de ter um corpo de mulher sexualmente excitante. A criação de limites rigorosos entre transsexuais “heterossexuais” e “andrófilos” pode ser uma batalha perdida em si mesma. As autobiografias de crossdressers e seus websites certamente sugerem que muitos são interessados em homens tanto quanto mulheres, ou interessados em homens enquanto vestem roupas femininas, em qualquer taxa.
      O entusiasmo pela feminilidade na cultura gay masculina requer maiores explicações. A busca por excitação sexual masoquista ao praticar os comportamentos da classe subordinada de mulheres é provavelmente uma força condutora, mas a homossexualidade masculina tem sido associada com feminilidade na sexologia ao longo da história de tal ciência. Homens homossexuais nos séculos XIX e XX provavelmente se consideravam de alguma maneira “femininos” por sua deslealdade à masculinidade heterossexual. Isso foi interrompido nos anos 1960 pelo butch shift, inspirado pelo sucesso da liberação gay, que permitiu que homens gays escapassem do estereótipo a afeminação e aspirassem a entrar na categoria de homens “reais” através do emprego do comportamento e estilos masculinos (Jeffreys, 2003). Esse butch shift é mais evidente no desenvolvimento da prática do sadomasoquismo gay, descrito por críticos e praticantes (Levine, 1998; Preston, 1993) como um “teatro de iniciação” no qual homens gays eram admitidos na masculinidade. Como a afeminação não era mais um requisito para homens amarem homens, a busca pela afeminação no travestismo e no transsexualismo precisa ser explicada. O dano causado pelo abuso sexual de crianças e pela prostituição é uma explicação. Isso pode fazer com que alguns garotos procurem sair dos corpos nos quais foram abusados ou possivelmente cair de volta na categoria padrão de feminilidade uma vez que seu caminho para o poder masculino foi bloqueado por ter sido subordinados por agressores homens (Webb, 1996). Outra explicação é que o bullying e o assédio aos quais alguns jovens homens, suspeitos de ser insuficientemente masculinos são submetidos na escola e na infância danifica suas chances de entrar no status político superior de masculinidade e pode fazer com que recorram ao suposto oposto (Plummer, 1999). Na cultura gay, bem como na cultura heterossexual, a ideia de que existe uma alternativa ao gênero dominante ou ao gênero subordinado ainda não é bem compreendida.
      As indústrias que cresceram para servir travestis/transsexuais, quer se identifiquem como heterossexuais ou gays – tais como de roupas e sapatos especialmente desenhados, transformações, treinamento em movimento e voz, todas criadas para treinar e vestir homens na feminilidade tradicional – sugerem que a “feminilidade” que procuram é uma construção social. Não existem industrias similares para mulheres que procuram a masculinidade. O fenômeno do transsexualismo mulher-para-homem, que tem crescido consideravelmente nos anos 1990 graças a internet, não parece ser sobre fantasia sexual mas tem diferentes causas. Tais mulheres são em grande maioria lésbicas antes de buscar pela cirurgia. O fenômeno de mulheres transicionando e querendo permanecer com seus maridos que então têm de se reclassificar como homossexuais, não parece existir. As causas da transição de mulher para homem não parecem estar na excitação envolvida em vestir roupas “de homem.” Como expliquei em outro lugar, as causas estão na opressão de mulheres e lésbicas (Jeffreys, 2003). A primeira causa parece ser a inabilidade de ser feliz amando outra mulher tendo um corpo de mulher, como resultado de um ódio internalizado absorvido de uma cultura de ódio a mulheres e lésbicas. Outra causa está em histórias de abuso sexual e físico por homens que fazem com que mulheres queiram sair de seus corpos, que associam com a vitimização, e ganhar segurança ao se identificarem com o abusador. Algumas mulheres que transicionam querem ter acesso aos privilégios com os quais os homens nascem em virtude de seu status de dominação masculina. Algumas procuram a transição ao chegar na menopausa, o que pode ser um evento traumático para lésbicas que estão tão desesperadas para evitar se tornar mulheres mais velhas socialmente desprezadas que escolhem se tornar “homens” alterados cirurgicamente (Devor, 1999). A indústria da transformação não visa essas mulheres.

A INDÚSTRIA DA TRANSFORMAÇÃO E SEUS CLIENTES

      Os centros comerciais que existem especificamente para servir homens não fazem rodeios para afirmar que irão satisfazer as fantasias de seus clientes. Eles não se enxergam servindo uma condição biologicamente determinada mas sim fantasias sexuais masculinas assim como bordéis e clubes de strip fazem, e estes são frequentemente gerenciados por mulheres ex prostitutas que procuram sair da prostituição mas ainda usam suas habilidades para atender as demandas sexuais masculinas. Alguns são gerenciados por esposas de homens que fazem a transição, que foram treinadas para entender e apoiar os interesses sexuais de seus maridos e de outros homens de mentes similares. Outros são gerenciados por travestis.
      A indústria da transformação é um mercado crescido. A internet oferece centenas de estúdios de transformação para aspirantes a travestis/transsexuais escolherem. Um deles é o “Hidden Woman” (Mulher Escondida) em Reno (Hidden Woman, 2002). Essa loja de transformação e salão de beleza como muitos outros especialistas da vida real e lojas online, vende toda a parafernália que homens precisam para se transformar:  lingerie, perucas, enchimentos para colocar em sutiãs e adesivos para mantê-los no lugar, equipamentos para esconder os pênis e calçados de fetiche. A mulher fantasiosa que homens travestidos têm em mente, de acordo com as fotos nesses sites e com o que está disponível na loja, incorpora a exagerada, extrema feminilidade da pornografia. Os sapatos de salto alto tornam andar praticamente impossível. Extremamente pontudos e ridiculamente altos, eles parecem com, e sem dúvida são criados para ser, instrumentos de tortura. Os saltos stiletto têm mais de 15 centímetros. Os lucros a ser conquistados na indústria da transformação são indicados pela etiqueta de preço que indica $1.725, anexada a sessão diária oferecida por Veronica Vera em seu estúdio (Miss Vera, 2002). Veronica Vera tem sido uma ativista e porta-voz de prostitutas.
      O site ABGender.com se descreve como “O Mais Popular Diretório de Rede e Loja Transgênero da América” (ABGender, 2002). Ele possui uma grande quantidade de estabelecimentos de transformação com títulos como “Escola de Finalização da Miss Erica” e “FemmeFever”. “La Maison de L’Espirit Feminine” (A Casa do Espírito Feminino) anuncia no site que cria “uma atmosfera onde você pode explorar os maravilhosos prazeres normalmente disponíveis somente para (...) o gênero feminino.” Mas esses “maravilhosos prazeres” estão provavelmente apenas disponíveis para homens que decidem incorporar o “gênero feminino”. A prazerosa satisfação sexual masoquista advinda dos equipamentos da feminilidade não é a usual experiência de mulheres que irão frequentemente achar que as práticas de beleza são rotineiras e entediantes. La Maison diz que vai transformar “fantasia em realidade” e assim permitir a satisfação sexual de homens de “se vestir” em um ambiente seguro. “A Woman’s Touch” (Um toque feminino) vai treinar homens para “andar e se movimentar com o equilíbrio da mulher que você se tornou verdadeiramente”. Na “Transformações Incríveis” eles vão criar “O Look da Secretária Sexy” que muitos de seus clientes tem “muito prazer com”. “Transformação no Reino Unido” vende: 
      “Seios realistas, seios de silicone, silhueta de ampulheta, lingerie sexy, vaginas realistas, perucas, calçados femininos, roupas coladas e de sadomasoquismo, meias, baby dolls, cobertura de barba, transformações, joias, unhas pintadas, cílios postiços, luvas, vídeos de transformação, vídeos de sadomasoquismo TV/TS (travesti/transsexual), diversão sadomasoquista, hormônios femininos, desenvolvimento de seios, tratamentos hormonais combinados, terapia de discurso feminino para estudar em casa.”
      O suprimento de hormônios sugere que não existe uma demarcação rígida entre crossdressers e transsexuais como uma vez existiu. Homens podem adquirir partes do corpo femininas bem como acessórios e roupas. Embora seja crucialmente necessário para muitos travestis/transsexuais ver a si mesmos como muito distintos de drag queens, que se identificam como homossexuais, a distinção não é sempre clara. A lista de estabelecimentos de transformação inclui um Software de Transformação Drag Queen que faz com que homens sejam “Drag Queens por um dia”.
      Outro aspecto da indústria que se desenvolveu para servir crossdressers é a depilação a laser. A “Rocky Mountain Laser Clinic” oferece “Remoção de Pelos Permanente Para Transgêneros” com fotos de antes e depois (Rocky Mountain Laser Clinic, 2002). Os fornecedores da indústria transgênero também oferecem “Cobertura da Sombra da Barba”, “Cartão de Identificação Pessoal Transgênero” e perucas grandes (Tgnow, 2002). “Frederick’s of Hollywood”, a famosa companhia de roupas íntimas de renda sob encomenda, anuncia no site Tgnow como “Crossdresser Friendly” e diz, “Uma porcentagem muito grande dos clientes da Frederick’s é de Crossdressers!” (Tgnow, 2002). Fredericks oferece calcinhas com abertura na virilha para homens, “babydolls transparentes”, saltos altos e perucas e muito mais. É claro que se o desejo feminino de escapar da vestimenta degradante da feminilidade fosse uma ameaça aos lucros de tais fornecedores de feminilidade fetichista como Fredericks, a demanda de homens facilmente compensaria. 
      As oportunidades de lucro desse interesse sexual de homens são cada vez mais variadas. Um trabalho paralelo lucrativo para um cirurgião cosmético é operar nos rostos de transsexuais para torná-los mais femininos. Douglas Ousterhout de San Francisco diz a seus clientes em potencial que “Parecer feminino é, sem dúvidas, extremamente importante para você. Primeiras impressões são frequentemente baseadas apenas no seu rosto” (Ousterhout, 1995). Ele não apenas faz os tradicionais lift na testa e remoção de gordura, mas também muda os contornos faciais modificando a estrutura óssea, e vai operar nos ossos da testa, queixo, nariz, bochechas e mandíbula, e no pomo de Adão. Ele também realiza implantes capilares e de seios.
      As fantasias femininas que a travestis/transsexuais da internet tendem a experienciar retornam aos anos 1950 ou a indústria do sexo. Crossdressers frequentemente vestem deliberadamente roupas que associam com prostitutas. Essas são as roupas mais sexistas que se pode imaginar. Charles Anders nos diz que “Garotas recém criadas gravitam ao redor do look sexy por todo tipo de motivos (...). Ou talvez associem vestir-se com uma excitação sexual, então querem vestir roupas que gritem ‘menina safada’” (Anders, 2002, p. 85). As fantasias femininas incorporam ideias extremamente tradicionais e muitas vezes ofensivas do que ser uma mulher pode ser. Vicky Valentine, por exemplo, no site “Transgender Galaxy” é a Miss Setembro de 2002. Seu anúncio pessoal é o seguinte: “Sou uma simpática, divertida garota de 30 e poucos anos vivendo e saindo em Londres. Eu gosto de me vestir o mais feminina que posso e amo saltos altos e meias, vestidos clássicos, e parecer uma vadia às vezes também!” (tggalaxy.com, 2002). O site Transgender Galaxy é fortemente relacionado a indústria do sexo e oferece diversos links onde seus clientes homens podem acessar homens e meninos em pornografia e prostituição. O site parece ser especializado em estereótipos sexuais de raça oferecendo “Transsexuais brasileiros” ou “www.black-tgirls” ou “ladyboy”, que possui “she-males da Ásia” e é ilustrado com o bumbum magro e nu de um jovem asiático que olha sobre o ombro para o espectador. A imagem de feminilidade que alguns travestis adotam é colhida da pornografia. Dessa forma o website “Transformação Travesti” oferece “Volta Às Aulas”, no qual o travesti se veste com um uniforme escolar de menina. O homem senta em um banco com as pernas abertas mostrando a calcinha em um frame e em outro se inclina para que a calcinha apareça claramente (Transformation, 2002). A imagem representa a fantasia heterossexual pornográfica comum de usar sexualmente uma jovem garota mas transposta nesse caso para um corpo masculino.
      O website “Transsexual Magic” oferece uma definição da pessoa transsexual a qual muitas mulheres rejeitariam como uma definição de feminilidade: “Ela deixa o cabelo crescer e veste roupas sexy e lindas, depila as pernas e tira as sobrancelhas. No dia a dia, ela usa maquiagem e fala com voz feminina” (Transsexual Magic, 2002). Esse website parece ser direcionado a homens que parecem indubitavelmente homens mesmo quando vestidos como mulheres. Aconselha tais homens a desenvolver auras femininas que fazem com que sejam percebidos como mulheres apesar de sua aparência. Eles podem adquirir as auras com afirmações e rituais com velas, “Comece a afirmar que ‘Eu sou perfeita. Eu sou uma mulher. Eu sou linda.’ E as pessoas vão começar a te ver na mesma luz.” Diz, “A maioria dos homens adultos não podem ‘se passar’ por mulheres. Mesmo se a maioria de nós pudermos pagar a cirurgia de ressignificação de sexo e sobreviver, nós não iríamos arrebatar o mundo com beleza radiante.” A autoginofilia desse travesti é clara em sua admiração de si mesmo no espelho. Ele obtém uma boa satisfação ao olhar seu “magnífico par de pernas” e destaca “Embelezado com um par de saltos altos sexy, você vai glorificar o Divino criador de tudo o que é lindo.” Para ter pernas “modeladas e femininas” ele as depila deixando-as “suaves e limpas”. Em alguns websites homens trocam suas dicas de beleza com prazer, já que para eles essas práticas geram excitação sexual. No website “Fórum Transgênero” um homem escreve, “Eu reaplico o batom constantemente durante o dia”, e “Demoro mais ou menos 10 minutos para aplicar toda a minha maquiagem” e “Eu também descobri que aplicar maquiagem líquida em minhas pernas e braços quando uso vestido ajuda a esconder imperfeições” (Transgender Forum, 2002). Ele diz “Eu uso esmalte vermelho nas unhas dos pés porque acho muito sexy.”
      A maioria dos travestis/transsexuais que acessam esses websites são heterossexuais e procuram permanecer com suas esposas e se denominarem lésbicas. As esposas nem sempre ficam felizes quando seus maridos embarcam na feminilidade como fantasia sexual e os websites falam disso. Um novo termo para travestis que procuram permanecer com suas esposas é t-girls (meninas-t). No site de Renee Reyes ele fornece um “guia de sobrevivência para meninas-t” – isto é, como manter esposas e fazer com que aceitem a prática do crossdressing (Reyes, 2002). Ele diz que “as meninas-t mais felizes e equilibradas que conheci ao longo dos anos eram casadas com mulheres geneticamente” em casamentos “tradicionais”. Ele oferece uma lista dos benefícios para mulheres de ter um “homem transgênero” como parceiro para ganhar a complacência das esposas. Um dos “benefícios mais convincentes” é que as meninas-t “apreciam a beleza interior da feminilidade – muitas vezes ainda melhor do que suas parceiras mulheres”. Existe um fundo de verdade nisso. Muitas mulheres não veem beleza interior nas extremas práticas da feminilidade na qual esses homens se envolvem. Elas podem ver os saltos muito altos, as saias curtas e a maquiagem como degradantes e uma perda de tempo. Travestis/transsexuais estão envolvidos com a ideia antiquada, desconfortável e degradante ideia de feminilidade que muitas mulheres rejeitam no presente. Eles representam um arquivo de práticas obscuras e estão propensos, infelizmente, a sustentar uma feminilidade fossilizada no futuro porque é o que os excita.
      A ideia de Reyes sobre feminilidade é que ela significa uma obsessão trivial com compras e novos vestidos, uma visão dos anos 50. Dessa forma, “pequenos bônus” são maridos travestis/transsexuais que irão passar o tempo fazendo compras com suas esposas e “a esposa ganha um novo vestido – cada vez que ‘ela’ compra um”. Esposas são aconselhadas a “se envolverem” na “brincadeira” com maridos travestis/transsexuais na qual o casal viaja entre estados para um lugar onde travestis se encontram para se vestirem com privacidade. Alternativamente a esposa pode mandar o marido para fazer crossdressing enquanto fica em casa. Esposas devem se entregar ao crossdressing dos maridos, como é dito a elas, porque esses homens não escolhem seu comportamento e não podem se controlar, então quer a esposa goste quer não “a natureza seguirá seu curso”. Mulheres devem se envolver ou seus maridos farão “algo estúpido que vai resultar em vergonha para a unidade familiar” ou “voltar para casa com uma doença venérea fatal” ou “desenvolver um novo relacionamento amoroso com alguém que aceite o transgenerismo”. Todas essas ameaças são feitas para ganhar a cooperação forçada de esposas. É dito as esposas que seus maridos seguirão em frente de qualquer forma e irão envergonhar, infectar ou deixá-las se não forem coniventes.
      A internet criou uma nova classe de transsexuais. Eles creditam a rede por inspirar seu desejo pela transição. Donald (Deirdre) McCloskey é um conservador professor americano de economia. Ele se vê como um homem heterossexual crossdresser e tem “se vestido” desde os 11 anos. Ele era casado, com dois filhos (McCloskey, 1999). Quando tinha 53 anos ele encontrou os recursos disponíveis sobre travestis/transsexuais na internet e decidiu que era na verdade uma mulher: “Aqui era uma biblioteca especialmente criada para a excitação sexual de crossdressers, e excitado ele estava” (1999, p. 20). Ele explica dessa forma: “Parece haver dois padrões: ou você sempre soube que tinha o gênero errado ou você construiu uma barragem psicológica contra a compreensão, que de repente rompe, geralmente na idade adulta” (p. 79). Donald considera que tinha tal barragem. Ele não está preparado para ver a si mesmo como simplesmente fazendo uma escolha. Sua esposa não podia cooperar então ele disse a ela que ela era “uma falha como esposa” e não “sabia o que o amor significa”, enquanto era confortado por suas “unhas pintadas de vermelho” (p. 61). Ele já tinha atingido o auge das realizações como professor e sua decisão de se identificar como “mulher” não danificou sua carreira, ele foi simplesmente redefinido como mulher e estava apto a ganhar pontos de oportunidade extra em sua universidade pois havia poucas mulheres professoras em economia. Para homens como McCloskey, submeter-se a cirurgia transsexual é um privilégio de sua classe e status de gênero. Muitos homens que transicionam atingiram prosperidade e segurança através do privilégio masculino e queriam algo um pouco diferente.
      Os travestis/transsexuais heterossexuais podem ser pilares do poder. Um artigo de jornal sobre o studio de transformação “Escola de Meninas da Rebecca” nos diz que os clientes são majoritariamente do grupo de lobby Transgender Education Association (TGEA), que representa os interesses de crossdressers, drag queens e transsexuais antes e depois da operação (Vitzhum, 1999). Na festa de halloween do TGEA no Studio, um terço dos homens sentou ao lado de suas esposas e namoradas. Eles eram considerados como um “grupo conservador”. “Debbie”, por exemplo, é um coronel aposentado. Muitos desses homens conhecidos parecem ter interesse na feminilidade como um hobby na aposentadoria. Alguns dos homens estavam na força policial. O status desses homens na estrutura de poder e dominância masculina pode explicar o motivo pelo qual sua visão de feminilidade é tão conservadora. Também pode explicar o porquê de eles terem o poder e influência marcantes que o lobby transgênero conseguiu em países ocidentais. Eles têm influência para mudar leis e proteger seu hobby, e sistemas legais de muitos países agora incorporaram a proteção aos direitos dos transgêneros – isto é, de ser aceitos como mulheres e não discriminados. De fato um dos grupos de lobby transgêneros nos Estados Unidos, GenderPAC, que dá conferências sobre “gênero” todo ano, afirma como missão “GenderPAC acredita que o gênero deve ser protegido como um direito civil básico” (GenderPAC, n. d.). Isso é um grande problema para feministas que desejam eliminar o gênero ao invés de protegê-lo.

TRANSFEMINILIDADE COMO MASOQUISMO

      A internet tem facilitado muito a busca por esse hobby. Alguns homens, ao que parece, agora se tornaram transsexuais porque descobriram o quão excitante é fingir ser mulher em salas de bate-papo de sexo. Dessa forma, Peter diz que “Como muitos transsexuais atualmente”, teve uma “experiência de conversão no cyperespaço”. Ele começou a fazer sexo virtual como Trina ou Gina, e descobriu que “a proporção homem-mulher era favorável, e ser procurada por homens era tão emocionante como Peter tinha sonhado. Em 1996, ele começou a usar a internet para pesquisar hormônios e cirurgia de ressignificação de sexo” (Vitzhum, 1999). Peter se diz “lésbica”. Ele é bem aberto sobre o fato de que ser uma mulher significa masoquismo para ele, e diz:
      Nós nem falamos sobre masoquismo. Eu acho, sexualmente, que existe um desejo de ser punido, e parte daquilo é a ilusão do que as mulheres são. Que elas estão lá pare ser objetos sexuais e para ser objetos de punição. Isso tudo meio que caminha junto... Existe um aspecto de degradação nisso, em abrir mão do controle. Parte de toda a experiência transsexual é viver aquela fantasia de abrir as pernas e ser fodida.
(Vitzhum, 1999)
      O autor crossdresser Charles Anders observa:

      Pode ser politicamente incorreto, mas estou supondo que muitos caras associam usar enchimentos e meia calça com um papel passivo, receptivo no sexo(...) Para alguns caras, se tornar feminino pode ser parte de uma fantasia de submissão, na qual outra pessoa os amarra e espanca, ou os veste como uma empregada francesa chamada Fifi e os faz servir cannolis de joelhos.
(Anders, 2002, p. 10)
      A pornografia transgênera sugere fortemente que a excitação de travestis/transsexuais é o masoquismo. O site Transgender.Magazines.co.uk vende 17 revistas, das quais 11 contêm temas masoquistas claros, a julgar pelas descrições. Os títulos incluem “Feminização Forçada”, “Travesti Empregada Servente”, “Loja de Sexo Forçado”, “Travesti Humilhada”, “Travesti Escrava Sexual”, “Travestis Escravizadas” (Revistas Transgêneras, 2002). Um tema constante na pornografia transgênera é de homens tendo maquiagem e roupas femininas colocados neles a força. Os editores de Best Transgender Erotica (Blank e Kaldera, 2002) dizem que eles procuram especificamente por algo diferente para colocar em sua publicação que não é apenas sobre homens sendo forçados a colocar roupas “femininas” e maquiagem por outros: “Em nossa chamada por inscrições, nós desencorajamos ativamente escritores de inscrever quaisquer exemplares de histórias tradicionais de feminização forçada (...) Mãe feminiza filho a força, Tia feminiza sobrinho a força... e por aí vai” (p. 10).
      O masoquismo que está na raiz do crossdressing é claro nos vários sites de fetiche com batom também, porque na cosmologia do fetichismo dos homens, o batom é associado ao sadomasoquismo. Batom é uma importante parte do arsenal das dominatrixes da indústria do sexo que atendem esse aspecto da sexualidade masculina. Mas, mais importante ainda, uma parte crucial desse sadomasoquismo com batom é que os clientes homens são forçados a usar batom e isso simboliza sua humilhação e submissão. Um site chamado “Bomis: The Lipstick Fetish Ring” (Bomis: O Ringue do Fetiche com Batom) tem links que levam a sites tais como “O Lounge de Amantes dos Lábios e do Batom, Fórum de Fetiche de Buster, Batom dos Anjos/Site de Fetiche com Calcinhas, Boquetes de Batom, Sexo de Batom e Maquiagem, Granadas Pintadas, shots em Adolescentes (Imagens de meninas adolescentes de maquiagem)” e muitos outros (Bomis: The Lipstick Fetish Ring, 2004). A “Livraria Batom e Couro” (associada a Amazon.com) reproduz o som de um chicote estalando quando se entra no site e toda vez que escolhe um item (Lipstick and Leather Books, 2002). Esse site fornece fotos de um grande número de dominatrixes, que usam uma boa quantidade de batom e o aplicam. Cada “amante” tem um website a ser visitado e listas de material sadomasoquista para leitura que se conecta a Amazon. Em uma página está a instrução “para outro beijo do chicote por favor clique nos lábios com batom”. Os clientes homens claramente exigem riqueza de detalhes sobre batom já que cada amante identifica seu batom favorito e mostra nos lábios.
      No mesmo site está uma página chamada “Amores de Batom da Deusa Tika” (Goddess Tika Lipsticked Luvs, 2002). Tika é uma dominatrix. O site contém histórias criadas para estimular a ejaculação nos clientes homens e dá uma boa indicação do que os clientes submissos buscam em uma amante quando visitam bordéis. As histórias têm basicamente dois ingredientes. A dominatrix faz o homem submisso babar enquanto ela aplica o batom, ou ele é forçado por uma mulher a passar batom em si mesmo, ou a se submeter a ter batom passado em sua boca. Esse é o momento de máxima humilhação e, presumivelmente, ejaculação. Em um conto chamado “O ‘poder do lábio’ de uma Deusa!”, a dominatrix escreve, “Eu sou uma ‘Deusa Cruel’, torturo meus escravos com meus lábios”, e “Eu às vezes passo meu batom na frente dos meus escravos enquanto eles assistem. Eu os ordeno a assistir meus lábios de Deusa e imaginar que são ‘Homens o suficiente’ para tocar tais lábios cheios e macios.” Em um conto chamado “O Golpe da Maquiagem” um homem submisso descreve seus sentimentos ao ser maquiado como mulher: “Você continua a delinear minha boca com força. Eu sabia que agora estava em um vermelho vivo. Meu pau começou a pulsar (...) Ondas de emoção subiram e desceram pelo meu pescoço e cabeça (...) indo e voltando entre admiração e terror” (Goddess Tika’s Lipsticked Luvs, 2002). Ele então é ameaçado com a aplicação de blush e rímel e diz “Eu estava tão humilhado por querer tanto tudo isso que poderia sofrer até o ponto de respirar com dificuldade”, e então ele tem mais ondas de emoção. Ele termina “usando mais maquiagem do que a vendedora”! Em outro conto na seção “4 contos de submissão” um narrador homem escreve que a amante “começa a provocar meus lábios com sua caixa de batom (...) Eu quase não consigo me controlar”. Essa página contém um teste de personalidade do batom no qual homens podem olhar oito diagramas do formato no qual os batons ficam danificados depois que eles usam, e descobrir qual personalidade se encaixa em seu perfil. É difícil imaginar mulheres que usam batom porque é obrigatório em seu ambiente de trabalho, ou pelo hábito enraizado desde a infância, tão encantadas com detalhes, mas os fetichistas do batom não são mulheres. O papel da mulher é dar prazer ao fetichista homem ao usar o fetiche ou aplicá-lo em clientes homens em bordéis. O fato de que o uso de batom é deliciosamente “humilhante” para homens torna claro que o batom representa, para eles, o status inferior de mulheres. O batom não eleva o status da mulher, ao menos que estejam na indústria do sexo como dominantes, mas simboliza a subordinação.
      Para homens conservadores que querem obter as excitações sexuais do masoquismo pode parecer impossível permanecer “homens” porque eles associam a masculinidade com a dominância. Mas mulheres e lésbicas não baseiam sua autodefinição no masoquismo sexual. Isso não é o centro da compreensão de nós mesmas como é para autoginófilos como Peter do TGEA. Há uma arrogância na pressuposição da parte de tais homens que seu interesse sexual na subordinação os torna mulheres, e concomitantemente fazer campanha para reformar a legislação de discriminação sexual para que seu entendimento peculiar de si mesmos como mulheres seja protegido pela lei como feminilidade.